Minas Gerais

REIVINDICAÇÕES

Sindicato aponta irregularidades na privatização do Saae de Governador Valadares

Falta de diálogo, mudanças arbitrárias no edital e possível aumento da conta são alguns pontos criticados pela população

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Um dos problemas levantados foi a mudança no edital apresentado para a população na audiência e na consulta pública - Foto: Divulgação

A entrega para a iniciativa privada do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Governador Valadares segue encontrando resistência de moradores da cidade e de trabalhadores da autarquia municipal. Falta de diálogo com a população, mudanças arbitrárias no edital e possível aumento da tarifa são alguns pontos criticados.

O processo de concessão, anunciado no dia 24 janeiro deste ano pelo prefeito da cidade, André Merlo (sem partido), já tem data para o pregão, momento em que será escolhida a empresa que passará a administrar o serviço. A reunião está prevista para acontecer no dia 30 de novembro, na sede da Bolsa de Valores, B3, em São Paulo.

O Sindicato dos Servidores Municipais de Governador Valadares (Sinsem-GV) manifesta preocupação com o próximo passo dado pela prefeitura. Sua presidenta, Sandra Perpétuo, aponta que uma série de irregularidades aconteceram desde as pesquisas para a concessão até o atual momento.

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Em 2022, por exemplo, quando uma empresa foi contratada para fazer o estudo para concessão, o sindicato solicitou o acompanhamento, mas o pedido foi negado pela prefeitura. “Desde a fase inicial, não foi um processo que ampliou o debate e que garantiu a participação democrática da população”, lembra Sandra.

Em fevereiro, o Sinsem-MG conseguiu remarcar uma audiência pública anunciada pela prefeitura, porque o formato do encontro prejudicava o direito de participação dos cidadãos. Em 8 de março, Sandra afirma que a audiência ocorreu “num local distante, não garantindo acesso da população, em horários inapropriados".

Mudanças sem aviso e consulta

Outro problema levantado pelo Sinsem-GV foi a mudança no edital apresentado para a população na audiência e na consulta pública, realizadas antes da marcação do pregão. Sandra explica que algumas alterações podem ser notadas, mas a principal delas é o tipo de concessão.

Na primeira versão, o documento previa uma concessão patrocinada, uma modalidade na qual existe uma parceria público-privada que atribui a uma empresa o dever de prestar um serviço público, por um período de cinco a 35 anos. Dessa forma, o projeto é viabilizado por meio do pagamento de tarifas pelos usuários, mas também por contraprestações do governo.

O edital que vai para licitação, porém, aponta para uma concessão comum. “Nesse modelo, tudo é financiado e orçado pelo próprio contribuinte. Ou seja, pela receita das tarifas dos usuários”, explica Sandra.

Alterações nos valores da outorga, pago para direito de uso ou interferência de recursos hídricos, e nos valores de investimentos também são apontados pelo Sinsem-GV. “Mudaram o valor que será pago pela empresa que fez o estudo e que tem conduzido o processo de concessão”, observa a sindicalista.

Sandra conta que o sindicato deve entrar com um pedido de impugnação na Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan) de Governador Valadares e com uma representação no Ministério Público e no Tribunal de Contas do Estado.

“Espero que até 24 de novembro o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado emitam um parecer, mediante a gravidade dos erros processuais. Destaco aqui que vamos pedir a suspensão desse processo de concessão do edital pleno, uma vez que a consulta pública e a audiência pública foram realizadas com um edital totalmente diferente do que está caminhando para o pregão”, destaca.

Efeitos na vida cotidiana

Uma nota técnica do Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora, campus Governador Valadares, e do Núcleo de Agroecologia de Governador Valadares (Nagô), analisou o processo de concessão do Saee e o classificou como preocupante.

“Se de um lado a prefeitura tem afirmado que a concessão do Saae não é a sua privatização, pois o patrimônio da autarquia não será transferido à empresa concessionária, não há como negar que a concessão dos serviços de água e esgoto à iniciativa privada transforma o que deveria ser um bem comum em mercadoria. Sob essa perspectiva, esses direitos passarão a ser tratados como mais um bem econômico sujeito à lógica e às regras de demanda, oferta, preço e lucro que são impostas pelo mercado, colocando em risco a democratização do acesso à água e ao saneamento”, aponta, em um dos seus trechos, a nota.

A professora Renata Magalhães, moradora do bairro Grã-Duquesa, em Governador Valadares, também expressa preocupação com a possível concessão do Saae. Para ela, ceder o serviço à iniciativa privada implica na perda de controle geral da cidade. “Prejudica o interesse público, principalmente nos setores estratégicos, e pode gerar uma água de má qualidade”, argumenta.

O aumento do valor das tarifas também é um ponto delicado para ela, que lembra dos efeitos negativos para a população mais carente. Renata ainda afirma que não houve um diálogo satisfatório com as comunidades. “A conversa está acontecendo num grupo pequeno e manipulado, são pessoas com interesse próprio e que tem pouco conhecimento sobre o assunto”, ressalta.

Cláudia Trindade, também professora, moradora do bairro Floresta, reforça que houve um sucateamento do serviço para que a prefeitura pudesse convencer a população de que a concessão é uma boa escolha para o município. “Estão sucateando o serviço, deixando faltar água e cuidado com esgoto em diversos pontos da cidade, dizendo que precisa ser privatizado. Mas, na verdade, falta uma boa gestão desse serviço”, defende.

Para ela, solucionar os eventuais problemas do Saae vai se tornar ainda mais difícil se ele estiver com a iniciativa privada. “No serviço privado, o ponto principal não é o atendimento, é o lucro. Nossa preocupação diz respeito à qualidade do serviço prestado, ao acesso, ao direito do servidor que trabalha lá, a manutenção. Temos acompanhado um desserviço do prefeito”, lamenta.

Outro lado

A Prefeitura Municipal de Governador Valadares foi procurada para comentar as denúncias, mas não respondeu até o fechamento desta matéria.

Edição: Larissa Costa