Oito anos depois, diversos são os problemas de saúde ainda enfrentados por pessoas atingidas pelo crime da Samarco/Vale/BHP Billiton em Mariana (MG). Assim como apontam pesquisas, episódios de dores e desconforto, questões de mobilidade, além da recorrência de depressão e ansiedade são alguns dos desafios vividos pela população por decorrência do rompimento da barragem de Fundão.
Dados compilados pela Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), no primeiro semestre de 2023, confirmam o cenário. A partir da aplicação de um Registro Familiar (RF), utilizado para atualizar o cenário e coletar informações atuais das famílias atingidas dos territórios, a pesquisa levou em conta uma amostra de 600 núcleos familiares em 15 municípios atendidos pela Assessoria Técnica Independente (ATI) ao longo da bacia do Rio Doce.
O estudo aponta que 69% dos núcleos familiares consideram que enfrentaram ou enfrentam algum problema de saúde. Devido ao rompimento da Barragem de Fundão, houve uma ocorrência expressiva de casos de alergias (74%), diarreia e doenças gastrointestinais (61%) e doenças respiratórias (50%).
Andressa Martins Santos, coordenadora da equipe de situações de vulnerabilidade da Aedas, aponta também uma variável de vulnerabilidade importante identificada pela pesquisa: o abalo da renda e como ele afetou o acesso à alimentação saudável e adequada.
“É um direito humano fundamental, e consequentemente afeta as condições de saúde. Sendo que 86% das famílias declararam perda da renda devido ao rompimento da barragem, isso quer dizer que 8 a cada 10 pessoas empobreceram devido ao desastre-crime”, pontua.
Os municípios ouvidos pela pesquisa foram: Belo Oriente, Bugre, Fernandes Tourinho, Iapu, Ipaba, Ipatinga, Naque, Periquito, Santana do Paraíso, Sobrália, no Vale do Aço, o distrito de Ilha do Rio Doce, em Caratinga, e Conselheiro Pena, Resplendor e Itueta, Aimorés, no Leste de Minas.
70% das pessoas relataram ansiedade ou depressão
Em 2021, um estudo coordenado por pesquisadoras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também elaborou impactos na saúde dos atingidos. Segundo a pesquisa, que entrevistou 459 habitantes, 74% da população entrevistada sofreu perdas em saúde. Ou seja, sete em cada 10 atingidos pelo rompimento da barragem apresentam tais problemas.
No caso de dor e desconforto, 72% disseram conviver com problemas, contra 24% antes do desastre. E 70% das pessoas relataram ter algum nível de ansiedade ou depressão, taxa que, antes do rompimento, era de 11%.
Um cotidiano revirado
A vida de Rosilene Luiza, por exemplo, virou de cabeça pra baixo. Agente de saúde e moradora da comunidade Gesteira, localizada no município de Barra Longa, ela afirma que nunca lidou com tantos problemas, físicos e mentais, em seu trabalho, depois da tragédia.
Quando a barragem rompeu, Rosilene precisou se desdobrar para, no exercício de sua função, ajudar pessoas diretamente atingidas. Durante a sua atuação, para aferir pressão e levar água, comida e remédio às comunidades, o contato dos seus pés com a lama ocasionou uma alergia que até hoje traz transtornos para sua vida.
“Foram mais de três anos para amenizar os sintomas, porque ainda sofro muito. Quando começa a ferir de novo, fico de três a quatro dias de cama, porque não consigo pisar no chão”, afirma.
Além dessa dor localizada, os problemas de ordem emocional se intensificaram. Brigas com o marido, que não aceitava sua mudança drástica de rotina para atender demandas da tragédia, tomaram outras proporções. E uma perda recente também afeta diariamente a saúde mental: a do sobrinho, de 24 anos, que suicidou após um agravamento de sua depressão por decorrência do rompimento.
“Ele era a minha paixão. A depressão dele agravou muito depois da barragem, vinha aquela ansiedade pra receber o dinheiro que nunca veio, dívidas. Ele se entregou às drogas, a depressão tomou conta. Ele falava direto: ‘a Samarco acabou com a minha vida, eu não tenho nada. Não tenho trabalho. Eu respondia: ‘o pouco que eu tenho, é seu’, mas não consegui segurar a vida dele”, lamenta.
Segundo Élida Dias Cândido, coordenadora da equipe de área temática de saúde e serviços socioassistenciais, a partir das escutas qualificadas em território, são diversos os relatos de adoecimento mental. “Especificamente sobre ansiedade, depressão, transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), transtorno do pânico, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDA, TDAH) e transtornos do sono”, detalha.
Vivência que não volta mais
Para Valdiana Melo, tristeza, angústia, pânico e medo. Moradora da fazenda Barra Mansa, no município de Rio Casca, é assim que ela descreve o seu cotidiano depois do crime da Samarco. “Não que eu tenha perdido bens materiais, mas perdi a coisa mais importante da minha vida: minha saúde mental”, relata.
O que ela narra está relacionado à vida que levava antes, momento em que ela diz que “era feliz”. “Eu, hoje, vejo que era feliz, e agora, depois do rompimento, só tristeza. Antes eu ia pro campo de futebol no domingo vender os alimentos, para complementar a minha renda. Tinha o prazer de acordar cedo para tratar das minhas galinhas”, relembra com nostalgia.
À época do rompimento, grávida de sete meses, não sabe se contaminou o próprio filho
À época do rompimento, Valdiana estava grávida de sete meses. Como também trabalha como agente de saúde, teve contato com a lama, e hoje paira uma incerteza: a de não saber se contaminou o próprio filho, atualmente com sete anos. “Ele tem muita febre e deu até pressão alta pelas feridas no corpo”, detalha.
Edição: Elis Almeida