Sejamos construtores de paz com respeito entre as religiões
Dia 15 de novembro de 2023, parece que conduzido pelos bons espíritos, tive a alegria de assistir a uma sessão (gira) de Umbanda em uma das praças da cidade de Ibirité, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Ao passar pela praça, me chamou a atenção a presença de um grupo vestido de branco, as mulheres com vestido rodado e uns cartazes que diziam: “Dia 15 de novembro é Dia Nacional da Umbanda”. Outro cartaz dizia: “A roupa branca que você gosta de vestir na virada do ano é da religião que você oprime o ano inteiro”. Outro cartaz dizia: “A Umbanda é uma religião que abre suas portas para todos sem julgamento, apenas acolhe com amor, fraternidade e respeito”. “Intolerância religiosa é crime”, dizia outro cartaz, da Tenda Estrela da Guia, do Caboclo Rompe Mato.
Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Ancestral Africana, os “Povos de Terreiro”, são compostos pelos segmentos do Candomblé das nações de Ketu, Angola e Jeje, Angola-Muxikongo, de Umbanda e Omolocô de diferentes linhas e por Reinados nas mais diversas linhagens, dentre outros.
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Rubens, um dos umbandistas que coordenava os trabalhos, me disse que apenas nos últimos anos eles estão podendo celebrar na praça, pois durante várias décadas tiveram que celebrar escondido para não serem perseguidos.
Acabei filmando quase 90 minutos a sessão de Umbanda na praça pública, com atabaques e cantorias que cantam a libertação do povo negro escravizado e a bênção dos ancestrais. Rezaram algumas vezes Pai Nosso e Ave Maria. Fizeram sinal da cruz e preces inclusive a Nossa Senhora do Rosário. Estiveram presentes no ritual integrantes da Guarda de Moçambique de Ibirité.
Algumas pessoas, fumando cachimbo, incorporaram Caboclo Velho, que ofereceu passe a quem quis. Com um defumador todas as pessoas foram incensadas. Foi partilhado vinho e no final uma canjica com todas as pessoas presentes.
Não há justificativa para preconceito
Saí de lá me sentindo abençoado por outra religião e me perguntando: por que pessoas que se dizem cristãs, sejam católicas ou (neo)pentecostais perseguem os povos de terreiro?
Vi que existem muitas semelhanças entre a celebração na Umbanda e as celebrações que se fazem nas igrejas cristãs: cantos, orações, bênçãos, partilha etc. Mesmo que fossem totalmente distintas as formas de celebração e de rituais, não há motivo para discriminação e muito menos perseguição, pois os Povos de Terreiro pregam o amor, a paz, a fraternidade e o respeito.
O Brasil é um país laico, ou seja, está garantido na Constituição Federal de 1988 a liberdade de credo de todas as religiões e igrejas. O Brasil não é um país confessional, de uma única religião, o que seria ditadura religiosa. O que é tipificado como crime é a intolerância religiosa. Sei que o preconceito é fruto de desconhecimento e falta de informação correta e histórica. Não há como amar o que se desconhece.
O biblista e teólogo da Teologia da Libertação Marcelo Barros nos recorda que “o termo Umbanda vem do idioma quimbunda de Angola e significa “arte de curar”, ou “arte de cuidar”, o que liga a fé e a espiritualidade ao cuidado uns dos outros, assim como cuidado da mãe-Terra e da natureza.
Assim como em sua sociedade Jesus valorizou os samaritanos, cultural e espiritualmente, reconhecemos nas comunidades de Umbanda essas comunidades samaritanas que têm ajudado as pessoas negras e pobres a salvaguardar a consciência de sua dignidade humana e a necessária e salutar cultura comunitária da qual a nossa sociedade precisa tanto.
115 anos da Umbanda
Dia 15 de novembro deste ano de 2023, celebramos o aniversário de 115 anos da criação da Umbanda, uma religião propriamente brasileira. No dia 15 de novembro de 1908, em São Gonçalo, periferia do Rio de Janeiro, o médium Zélio Fernandino de Moraes fundou a Umbanda, que se baseia em três conceitos fundamentais: Luz, Caridade e Amor. A Umbanda sintetiza elementos do Candomblé banto, do Espiritismo kardecista e do Catolicismo popular.
Conforme o Evangelho, Jesus afirmou que pelos frutos se conhece a árvore. No Brasil e em todo o continente, os frutos das religiões negras têm sido preservar as culturas originárias, manter a unidade das comunidades e, em nossos dias, testemunhar a toda a humanidade uma espiritualidade que liga o amor social ao cuidado afetuoso com a mãe-Terra e toda a natureza.
No passado e até hoje, a Umbanda e as outras religiões indígenas e negras foram discriminadas, condenadas e mesmo perseguidas pela nossa Igreja e, hoje ainda, por grupos católicos fundamentalistas e (neo)pentecostais. Por isso, temos uma dívida moral com a Umbanda e as espiritualidades de matriz afro e podemos, em nome de Jesus, afirmar em bom e alto sim: viva a Umbanda!”
Filmei e está disponível em meu canal no youtube a sessão de Umbanda que assisti, para quem quiser assistir e conhecer um pouco da beleza ética e espiritual da Umbanda e dos demais Povos de Terreiro.
Sejamos construtores de paz com respeito entre as religiões, igrejas e pessoas religiosas e não apenas tolerância. Que a luz e a força divina nos guiem sempre inclusive no processo de libertação de preconceitos e discriminações.
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)
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Leia outros artigos de Frei Gilvander Moreira em sua coluna no Brasil de Fato
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida