O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) realizou, na terça-feira (21), uma audiência pública sobre o imbróglio envolvendo a Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte. O objetivo foi discutir o tombamento estadual da Serra e a atuação da mineradora Taquaril Mineração S.A (Tamisa), que desde 2020 busca licenciamento ambiental para seu empreendimento, denominado Complexo Minerário Serra do Taquaril (CMST).
A reunião foi convocada pelo Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania de 2º Grau (Cejusc 2º Grau) do TJMG, que intimou a participação da mineradora, do Estado de Minas Gerais, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e dos municípios de Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará. Antes da audiência, um ato em frente ao TJMG reuniu diversos movimentos ambientalistas e populares.
Cerca de 63 pessoas se inscreveram para participar do encontro e, desse número, 48 reivindicaram o tombamento da Serra do Curral. Moradores das cidades, advogados, arquitetos, geólogos, jornalistas, engenheiros e também integrantes de movimentos ambientalistas fizeram esses depoimentos. A reunião está disponível online. Para assistir, clique aqui.
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Realizada para ouvir a população e demais partes interessadas, a audiência durou mais de quatro horas, mas o auditório limitou a capacidade de participação a apenas 100 pessoas.
O advogado da Federação N’golo Matheus Mendonça fez a defesa da comunidade quilombola Manzo Nzungo Kaiango, que utiliza o espaço pretendido pela mineradora para fins religiosos.
Para ele, em Minas Gerais, no que diz respeito às comunidades quilombolas, vigora a inconstitucionalidade. “Peço para que o tribunal considere isto: nenhum acordo é válido se antes não for feita a consulta livre, prévia, informada e de boa-fé à comunidade de Manzo”, observou.
“Na parte utilizada pela comunidade, o estado não tem nem poder de decidir se vai ter tombamento ou não, pois já é tombado nos termos da Constituição de 1988”, completou.
Entenda a história
Em dezembro de 2022, a Justiça Federal suspendeu a licença da Tamisa, concedida em abril do mesmo ano, para a instalação do CMST. A presença do Quilombo Manzo Nzungo Kaiango, localizado dentro da área de influência do empreendimento, foi o motivo, pois a comunidade não foi consultada. De acordo com a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), povos e comunidades tradicionais têm direito à consulta prévia, livre e informada diante da instalação de empreendimentos em seus territórios.
Ainda em 2022, em 19 de junho, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) declarou tombamento provisório da Serra do Curral. A medida determinou a proteção provisória da região, delimitada de acordo com o perímetro de proteção em nível estadual proposto no dossiê de tombamento aprovado pelo órgão.
Mesmo com essa vitória, no entanto, Felipe Gomes, engenheiro ambiental e integrante do movimento “Tira o pé da minha Serra”, avalia que o cenário ainda é delicado. “O tombamento é fundamental e a Serra do Curral vem sendo ‘cupinizada’ por gananciosos de plantão, que só veem, ali, os seus bilhões de dinheiro no bolso”, realça.
Além dos desafios enfrentados a partir do projeto da mineradora Tamisa, ele explica que a Serra do Curral é alvo de crimes cometidos por outras duas mineradoras da região, como é o caso da Gute Sicht, que operou sem licença e com um termo de ajustamento de conduta (TAC) emitido pelo governo estadual.
No dia 2 deste mês, imagens da organização “Minha BH” flagraram a mineradora extraindo minério, mais uma vez, de forma irregular, na região. Em maio do ano passado, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) interditou as atividades da mineradora por falta de licenciamento.
Mais ataques ao patrimônio verde
A outra mineradora, que atua na Serra do Curral, é a Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra), que, segundo Felipe, deixou um buraco na região que pode ser visto de toda Belo Horizonte.
“A empresa enganou a Prefeitura de Belo Horizonte, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e o Ministério Público, porque assinou termos de ajustamento de conduta se comprometendo a recuperar a área. Mas ela nunca fez isso, pelo contrário. Investigações e a Comissão Parlamentar de Inquérito, que ocorreu na Câmara Municipal, comprovaram que eles estavam extraindo minério acima do autorizado”, lembra.
Paralisada desde 2018 por descumprimento de obrigações e preservação do meio ambiente, a Empabra agora pode voltar a retirar minério estocado na área da Mina Granja Corumi e comercializar o material, mesmo a contragosto da população, de ativistas e com o histórico de má conduta. O aval foi dado pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
Outro lado
Procurada pelo jornal Brasil de Fato MG, a mineradora Tamisa explicou que considera a audiência pública mais um passo em direção à conciliação conduzida pelo TJMG. A companhia também destacou que cumpre as determinações estabelecidas pela Justiça e acredita na segurança jurídica, segundo ela, “fundamental para a construção e manutenção de um ambiente estável para todas as relações”.
Já a mineradora Gute Sicht informou que todas as suas atividades foram realizadas com autorização dos órgãos ambientais e minerários competentes. “Desde a paralisação de suas atividades, a empresa não mais realizou qualquer extração mineral, limitando-se a implementar medidas de interesse ambiental, todas rigorosamente fiscalizadas e acompanhadas pelos diversos órgãos competentes”, ressaltou.
A reportagem também entrou em contato com a mineradora Empabra para comentar o caso, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.
Edição: Larissa Costa