Com o apoio de cerca de 70 entidades, o Movimento Autônomo Trans de Belo Horizonte (MovAT-BH) protocolou, nesta segunda-feira (27), uma carta aberta no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pedindo a revogação da Lei Municipal 11.610.
Sancionada pelo prefeito Fuad Noman (PSD) no último dia 20, o texto da norma “garante a templos, escolas confessionais e instituições mantidas por entidades religiosas a atribuição do uso de seus banheiros de acordo com a definição biológica de sexo”.
A lei foi originada de uma proposta da vereadora Flávia Borja (PP), conhecida por defender políticas transfóbicas na capital mineira. A parlamentar utilizou textos da Bíblia para defender o projeto.
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Juhlia Santos, que é travesti e integrante do MovAT, critica a postura contraditória do prefeito da capital mineira.
“Em julho deste ano, o prefeito subiu ao palco da parada LGBTI+ de Belo Horizonte e reafirmou seu compromisso com a população LGBTI+. Porém, em novembro, ele retira os direitos garantidos de pessoas travestis e transexuais", disse.
"Apartheid social"
No documento, o MovAT fez um apelo pela a revogação da lei, alegando que a normativa é um ataque as pessoas trans e travestis, e que incentiva a violência e a discriminação com base na identidade de gênero. Segundo o movimento, a lei também estimula o cerceamento dessas pessoas de diversos locais que fornecem serviços essenciais na sociedade.
“Com a promulgação dessa lei, não apenas igrejas e escolas particulares serão afetadas, mas também equipamentos públicos geridos por organizações religiosas como centros de saúde, hospitais, creches, unidades de acolhimento e vários outros serviços, acentuando a dificuldade, já largamente conhecida, de acesso de pessoas trans e travestis a esses locais”, propõe trecho da carta.
Juhlia acredita que a lei é uma forma de marginalizar novamente transexuais e travestis da sociedade.
"Nós, como pessoas trans, estamos vivendo um apartheid social, que fomenta cada vez mais as violências que sofremos cotidianamente, principalmente estando no país em que mais mata pessoas travestis e transexuais", diz. "Essa lei vem dizer quem deve e quem pode pertencer socialmente. Ou seja, é uma lei que nos aparta da sociedade. É uma lei que nos isola, que nos mantem a margem e que retira a nossa condição de humanidade". completa Juhlia.
Inconstitucionalidade
Na carta, o movimento também alega que a lei é inconstitucional, com base no princípio da igualdade, localizado no artigo quinto da Constituição Federal. O texto diz que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
O MovAT lembra que em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275 que "a identidade pessoal, que compreende a identidade sexual e de gênero, é um dos direitos fundamentais da pessoa humana".
Leia a carta na íntegra:
CARTA ABERTA SOBRE A LEI Nº 11.610/2023 DE BELO HORIZONTE (MG)
Por meio desta carta aberta, nós, do movimento de pessoas trans e travestis de Belo Horizonte e apoiadores, expressamos nossa profunda preocupação em relação à recente promulgação, pelo prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), da Lei Nº 11.610, de 20 de novembro de 2023, que garante a templos, escolas confessionais e instituições mantidas por entidades religiosas a atribuição do uso de seus banheiros de acordo com uma suposta definição "biológica" de sexo.
Com a promulgação desta Lei, não apenas igrejas e escolas particulares serão afetadas, mas também equipamentos públicos geridos por organizações religiosas, centros de saúde, hospitais, creches, unidades de acolhimento e vários outros serviços, acentuando a dificuldade, já largamente conhecida, de acesso de pessoas trans e travestis a esses locais. Destaca-se, assim, a impossibilidade de permanência por pessoas trans e travestis em espaços onde sua identidade não é respeitada e em que não lhes são fornecidas condições mínimas de higiene e conforto, requisitos mínimos à dignidade. Assim, a Lei Nº 11.610/2023 constitui um ataque direto às experiências de pessoas trans e travestis, não apenas por priorizar a definição biológica de sexo para regular o acesso a banheiros, mas também por contribuir para o acirramento da violência e discriminação enfrentado por nós e ser
notadamente contrária aos entendimentos legais já assentados em nosso ordenamento jurídico.
A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu artigo 5º, inciso X, o Princípio da Igualdade, estabelecendo que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275, definiu que a identidade pessoal, que compreende a identidade sexual e de gênero, é um dos direitos fundamentais da pessoa humana.
Em sentido similar, a legislação brasileira já assegura o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares, representando um grande avanço para a permanência de estudantes nas instituições de ensino. Não podemos tolerar qualquer retrocesso que estimule discriminação, assédio e violência nas escolas.
A proteção dos direitos das pessoas trans é uma questão fundamental de justiça social e direitos humanos. A legislação deve refletir o compromisso de promover uma sociedade inclusiva, respeitando a diversidade e garantindo a igualdade para todos. A Lei Nº 11.610/2023, ao permitir a discriminação com base na identidade de gênero, contradiz esses princípios essenciais.
Portanto, faz-se necessário que o município reveja e revogue a Lei Nº 11.610/2023. É fundamental considerar alternativas que respeitem tanto as liberdades religiosas quanto os direitos das pessoas trans e travestis.
Assinam essa carta:
8 de março unificado RMBH
ABGLT - Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos Academia Transliterária
aKasulo - Centro de Convivência LGBT+
Antra - Associação Nacional de Travestis e Transexuais
ARD-MG - Associação de Redução de Danos de Minas Gerais
ASUSSAM-MG - Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais Banca Transcestral
Basuras Coletiva Bloco Bruta Flor Bloco Clandestinas Bloco Corte Devassa Bloco Lua de Crixtal Bloco Mineira System Bloco Truck do Desejo
CACS UFMG - Centro Acadêmico de Ciências Sociais da UFMG CAFCA UFMG - Centro Acadêmico de Filosofia da UFMG
CALZ UFMG - Centro Acadêmico de Antropologia e Arqueologia da UFMG Casa Tina Martins
CATs - Coletivo de Artistas Transmasculines
CELLOS - Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais Clã das Lobas
CMDM - Conselho Municipal de Mulheres de Belo Horizonte Coletiva Mulheres da Quebrada
Afronte! MG Coletivo Cintura Fina Coletivo Juntas MG Coletivo Juntos MG
Coletivo Tecendo Diversidades Coletivo Transborda
Coletivoz
DCE Odonto UFMG - Diretório Central dos Estudantes de Odontologia da UFMG DCE UFMG - Diretório Central dos Estudantes da UFMG
Diz Trava Através do Olhar
Equi - empregabilidade trans e LGBQIA+
Espaço Transbordar Fanchecléticas Coletiva Festival Transviva
Fórum Mineiro de Saúde Mental
Gadvs - Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero Galla on Fire
Gatilho Cultural
Giramundo Teatro de Bonecos Grupo de Teatro Mulheres Míticas Grupo Diversidade Católica BH Grupo Saliva
Grupo Teatral Espanca Kilombo Erês
Las Palozas Legaliza MG
Mães pela Liberdade Mamana Coletiva Mascucetas
Mofuce - Movimento de Fundação da Casa do Estudante MovaT - Movimento Autônomo Trans
Movimento #nostemosumsonho Movimento de Mulheres Olga Benário
Mutha - Museu Transgênero de História e Arte NBMG - Coletivo Não-Binárie de Minas Gerais
NUH/UFMG - Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da UFMG O Amor Transforma o Mundo
Plataforma Beijo
Projeto Transodonto UFMG Projeto Transpasse UFMG Quarta Kuir
Quartatela Sara Azevedo
Slam Clube da Luta Sou mulher, sim!
Teatro 171
Edição: Larissa Costa