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Artigo | Educação, os sentidos da privatização

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Imagem ilustrativa - Foto: Gil Leonardi / Imprensa MG
Termo privatização nomeia diferentes práticas que atravessam a educação

Outro dia, participando de uma mesa no Congresso do Sindicatos dos Professores de Belo Horizonte, eu disse algo parecido com que o que escrevi aqui outro dia: é preciso prestar atenção à polissemia das palavras para que, assim, possamos precisar melhor nossas enunciações e ações políticas. E dizia isso a propósito do termo privatização, objeto de discussão na mesa.

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São muitos os sentidos em que o termo é utilizado e busca nomear fenômenos interligados, mas distintos. Sem ter a intenção de esgotar os sentidos da palavra, enunciei cinco deles que me pareciam importantes para considerarmos aqui.

1. Privatização como transferência do patrimônio público para a iniciativa privada. Os casos clássicos, no Brasil, da entrega da Vale, da Embraer e várias outras empresas a preço de banana, é, disso, a expressão mais perfeita, mas infelizmente não as únicas e nem as últimas. Ainda que na educação este tipo de privatização não seja corrente, sobretudo pela luta das trabalhadoras, não é de todo impossível que isso ocorra, já que para a voracidade do capitalismo neoliberal professados por governos como de Romeu Zema, em Minas Gerais, não há limite;

2. Privatização como transferência de recursos públicos a instituições privadas. Este é, sem dúvida, uma das formas mais tradicionais de privatização da educação no país. Para não ir mais longe, desde o século XIX existem as chamadas bolsas, que nada mais são do que uma forma de financiamento público às escolas privadas. É evidente que, das bolsas do século XIX, passado pela utilização bizarra dos recursos do Salário Educação durante a Ditadura, aos modernos modelos de financiamento público do ensino superior privado pela União muitas outras alternativas de acesso das instituições privadas ao fundo púbico existiram, muitas das quais persistem. Por estes mecanismos escoam alguns bilhões de reais todo ano do fundo público para as empresas privadas da educação;

3. Privatização como gestão privada das instituições públicas. Esta é uma realidade que existe, persiste e aumenta a cada dia em todos os municípios brasileiros. As chamadas PPP (Parcerias Público Privado) estão se ampliando na educação e não significam, nem de longe, a “simples gestão” dos processos administrativos e financeiros por empresas privadas, inclusive com capital na bolsa de valores, mas uma verdadeira privatização de espaços e tempos públicos pelo capital. Em todas as experiências, há uma subtração do espaço, tempo, dos equipamentos escolares e das pessoas trabalhadoras ao controle do ente público e da comunidade escolar. As PPPs, nunca é demais lembrar, querem auferir lucro com a administração das instituições públicas e, por isso, visam tão somente maximizar a apropriação do fundo público;

4. Privatização como submetimento da escola pública, de seus sujeitos, de suas finalidades, de seus processos, conteúdos e métodos aos interesses do capital. A este respeito, uma das explicitações mais clara que vi ultimamente disso está no artigo “Conquistando corações e mentes: as competências socioemocionais como reflexo da racionalidade neoliberal em coleções didáticas de projeto de vida”, de Francisco Vieira da Silva, publicado na revista Educação em Revista (n. v 39, 2023) em que ele afirma que “por meio da análise, pode-se ponderar que há uma relação direta entre as competências socioemocionais e a racionalidade neoliberal, porque os jovens são orientados a regular suas emoções, com vistas a aperfeiçoar o capital humano e, como corolário, construir o projeto de vida com base naquilo que é desejável no cerne de uma racionalidade matizada pela concorrência, individualidade, resiliência e autonomia”.  Está é, sem dúvida, a dimensão menos imediatamente visível da privatização e a mais poderosa, pois de efeitos os mais nefastos e de difícil combate. Está entranhada no cotidiano da escola e se articula, umbilicalmente, a todas as formas de privatização aqui enumeradas;

5. Finalmente, privatização como a construção de representações positivas sobre a escola privada e de representações negativas sobre a escola pública. Este não é, como muitas pessoas podem imaginar, um processo recente. No final do século XIX quando o médico José Ricardo Pires de Almeida dizia que as pessoas de posse não enviavam seus filhos à escola pública para que eles não se misturassem com as crianças negras e pobres, ele defendia a prática como um valor a ser preservado. Mas, certamente, o fenômeno se intensificou nas últimas décadas do século XX com o abandono massivo das classes médias em relação à escola pública, como de resto da saúde e do transporte públicos também.  A força deste movimento, inclusive no seu caráter autojustificativo (não colocar a prole na escola pública porque ela é de baixa qualidade), está, também, no fato de que as camadas médias têm grande poder na produção das representações políticas, inclusive sobre a escola, e em sua difusão. Até recentemente, por exemplo, praticamente todo mundo que escrevia em jornais sobre a escola pública nunca havia passado por ela. Daí a reiteração dos enormes preconceitos e distorções, como a de dizer que a “escola pública de antigamente” era que era boa.

O combate a todas essas, e outras, formas de privatização da educação exige de todas as pessoas que lutam por uma escola pública de qualidade socialmente referenciadas passa pela elaboração de um projeto político-cultural que, incorporando a escola, articule outras modalidades de educação e movimentos sociais.

Luciano Mendes de Faria Filho é pedagogo e doutor em Educação e professor titular da UFMG. Publicou, dentre outros, “Uma brasiliana para a América Hispânica – a editora Fondo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira” (Paco Editorial, 2021)

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Leia outros artigos de Luciano Mendes de Faria Filho na coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida