Nos últimos meses, Belo Horizonte bateu sucessivos recordes de temperatura, como consequência da intensificação das mudanças climáticas. Esse cenário tem provocado pesquisadores e ambientalistas a refletirem sobre alternativas viáveis para o resfriamento das cidades, que ajudem a reduzir os impactos das ondas de calor, cada vez mais frequentes.
Arborização, aposta na arquitetura bioclimática e a preservação dos rios são algumas propostas defendidas. A doutora em geografia Carla Wstane explica que o atual contexto exige adaptação e, principalmente, definições políticas comprometidas com a superação da crise ambiental.
“As mudanças climáticas já vieram e já estão mudando a vida das pessoas. Para a adaptação, é importante construir cidades que priorizem a dimensão do verde, a diminuição da temperatura local, a promoção de espaços de lazer e de formas produtivas urbanas, como a agricultura urbana e a agrofloresta. Existem técnicas, mas precisamos principalmente de decisões políticas comprometidas com mudanças reais”, avalia a pesquisadora.
Déficit de árvores, rios cobertos e matas ameaçadas
Em 2019, Belo Horizonte registrou um déficit de 5 mil árvores e, em 2017, a quantidade chegou a 8,6 mil. Ou seja, nos últimos anos, a tendência da capital mineira tem sido cortar mais do que planta.
Quanto ao cuidado com as águas, o cenário também é alarmante. Dos 700 quilômetros de extensão de ribeirões e córregos do município, 208 estão canalizados ou revestidos.
Além disso, parques e matas da capital mineira, que já foi conhecida como “cidade jardim”, enfrentam interesses de grandes empreendimentos, em especial, do ramo imobiliário e da mineração. É o caso da Serra do Curral, da Mata do Jardim América e da Mata do Planalto, por exemplo.
Arquitetura bioclimática
A arquiteta Marimar Poblet acredita que uma das formas de amenizar os efeitos das ondas de calor é apostar na arquitetura bioclimática, que consiste em um conjunto de estratégias para harmonizar a relação entre as construções nas cidades e o meio ambiente.
Um dos princípios dessa concepção é a sustentabilidade. Dessa forma, pressupõe, por exemplo, a mudança de relação com a energia e a reciclagem.
“A arquitetura bioclimática visa otimizar a utilização dos elementos naturais, como o vento e a luz solar. Esses são os elementos que temos que potencializar nas nossas edificações. É preciso aprender a lidar de uma forma natural e não à base de queima de energia. A utilização da água, a captação da energia solar, o uso de materiais recicláveis, todas essas práticas visam exatamente uma construção mais harmônica com a natureza”, explica.
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Projeto já plantou 5 mil árvores
Em resposta a esse cenário, desde de 2017, o projeto Pomar BH se dedica a plantar mudas de árvores em Belo Horizonte e em 33 cidades da região metropolitana. Ao longo desses quase sete anos, a iniciativa já presenteou os municípios com mais de 5 mil árvores.
No bairro Caiçaras, por exemplo, a atuação do projeto começou em 2018, na Rua Prentice Coelho, onde existe uma área de preservação permanente (APP), que estava ameaçada por empreendimentos imobiliários.
Agora, os quase 300 membros diretos e indiretos do coletivo que executa o projeto se responsabilizam pelo cuidado com a área, plantando árvores frutíferas, capinando a região e protegendo o território. Antônio Pomar, que é idealizador do projeto, acredita que o impacto positivo é imensurável.
“A nossa geração é a última que pode fazer alguma coisa. A importância do plantio de árvores e da preservação de nascentes é que a gente não está plantando só frutos. Estamos melhorando o microclima e a temperatura, já que uma árvore é um ar condicionado natural. Estamos trazendo alimentação, água para o solo e muito mais”, relata.
Quem sofre mais é a população mais pobre
O estudo “Vulnerabilidade a ondas de calor 2030”, encomendado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), identificou que 63 bairros do município estão mais expostos ao aquecimento. Desses, os mais vulneráveis social e economicamente são a maioria. Um dos motivos que explicam esses dados é a supressão de árvores para a construção de moradias, com becos e vias estreitas.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a situação mais crítica é na região de Venda Nova, que apresentou cerca de 4 graus a mais em relação à temperatura medida na Estação Pampulha.
Ao mesmo tempo, a pesquisa identificou que em alguns bairros da região Centro-Sul, onde reside parte da população com melhores condições financeiras, a grande quantidade de árvores, a proximidade com parques e a circulação dos ventos diminuem os impactos das altas temperaturas.
Rio de Janeiro lança plano e BH, “refúgios”
Na capital fluminense, a prefeitura lançou, no final de novembro deste ano, um plano de ações para amenizar os efeitos das ondas de calor na cidade. Entre as medidas aparecem a criação de pontos de hidratação, criação de parques e o reflorestamento de áreas. O diagnóstico é de que as regiões do Rio de Janeiro mais impactadas também são as mais pobres, que historicamente possuem menos cobertura vegetal.
Também no mês passado, a Prefeitura de Belo Horizonte anunciou que iria construir “refúgios climáticos” no município, com bebedouros, bancos e estruturas para “esconder do sol”. Inicialmente, a iniciativa será restrita à pontos do Centro da cidade.
Solução definitiva passa por mudança de sistema
Ainda que as medidas imediatas para mitigar os efeitos sejam fundamentais, os pesquisadores também apontam a necessidade de, desde já, enfrentar a raiz do problema, reduzindo a emissão de gases de efeito estufa (GEE), que provocam o aquecimento global.
Uma das atividades que mais contribuem com o aumento da concentração desses gases na atmosfera é o desmatamento. Isso porque, ao derrubar florestas, é liberada uma grande quantidade de carbono, que havia sido absorvido do ar pelas árvores.
Outra atividade relevante é a mineração que, segundo um estudo publicado em 2021 pela consultoria McKinsey, é responsável por aproximadamente 7% de toda a emissão, a partir da atividade humana, dos GEE. Se forem consideradas as emissões indiretas, esse dado pode chegar a 28%.
Carla Wstane destaca, então, que, ainda que as cidades devam desenvolver seus planos para reduzir os impactos das mudanças climáticas, a resolução para o problema precisa ser global e envolve repensar o sistema em que vivemos.
“Mesmo que Belo Horizonte fizesse todas as estruturas de drenagem e toda arborização necessária, ainda assim nós iríamos sentir os impactos. As transformações só acontecem mesmo a longo prazo, com mudança de mentalidade, envolvimento da população e uma gestão climática e das águas na qual o modo de vida capitalista seja revisto”, avalia.
Edição: Larissa Costa