Minas Gerais

SOBRECARGA

Mães de crianças com deficiência relatam desafios do cuidado com os filhos

Rotina exaustiva de tarefas, em muitos casos, recai exclusivamente sobre as mulheres

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Em Minas Gerais, o IBGE estimou que, até 2021, quase 1% das crianças de 0 a 9 anos são pessoas com algum tipo de deficiência - Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Mesmo com a criação de um conjunto de leis de amparo no último período, mães de crianças com deficiência relatam um cotidiano de dificuldades para a garantia de direitos. Falta de auxílio do Estado, pouco apoio dos equipamentos públicos e despreparo da sociedade são parte da realidade das famílias.

Em Minas Gerais, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimou que, até 2021, quase 1% das crianças de 0 a 9 anos são pessoas com algum tipo de deficiência. Na faixa etária dos 10 aos 17, a média chega a 2,4%.

Mãe de Miguel, de 6 anos, Kamila Bugarelli explica que, para a garantia da qualidade de vida e autonomia do filho, que é diagnosticado com encefalopatia hipóxico-isquêmica desde os 2 meses de idade, é preciso disposição diária.

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“Temos que brigar para garantir o acesso à educação, com professor de apoio, ao transporte escolar, à reabilitação de qualidade, a médicos especialistas, à medicação de controle, à alimentação, a equipamentos, além de encontrarmos inúmeros desafios em uma sociedade que não é preparada para conviver com uma pessoa com deficiência”, relata Kamila.

Moradora de Teófilo Otoni, que fica na região do Vale do Mucuri, ela é idealizadora do grupo “Mães de Mandacaru”, que foi criado para o acolhimento, troca de vivências e de informações sobre a maternidade atípica. Kamila conta que outro desafio é lidar com os altos custos de equipamentos e atendimentos médicos. Tudo isso, segundo ela, é agravado pela falta de auxílio do Estado.

“O Estado ainda tem deixado a desejar. O poder público tem sido moroso nos processos no Judiciário. Porque ainda, para ter acesso ao que seria garantido por lei para essas crianças, é preciso recorrer ao Poder Judiciário”, comenta a mãe de Miguel.

Moradora de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), Elisangela Marques é mãe de Riquelme, de 14 anos. Ela conta que, para conseguir uma cadeira de rodas para o filho, foi necessário contratar um advogado e enfrentar um processo burocrático para conseguir um laudo. Ainda assim, o garoto só recebeu o equipamento há poucos dias.

“É tudo muito difícil. Foi por mandado judicial que eu consegui [a cadeira de rodas]. Ele tem direito à fralda, alimentação, a muitas coisas, e mesmo assim, a gente não tem. Tem que correr atrás. Eu sou uma mãe que não fica parada, eu corro atrás, eu busco. Mas, mesmo assim, tem hora que não dá”, relata Elisangela.

Tarefa solitária

A mãe de Riquelme conta que, desde que o filho nasceu, precisou abandonar o trabalho para se dedicar totalmente a ele. A situação dela é o retrato de muitas famílias que têm nas mulheres, as principais responsáveis pelas tarefas de cuidado.

“Eu não vou romantizar. Tem muita gente que romantiza. Eu amo ser mãe do Riquelme. Eu amo ser mãe de uma criança especial. Mas, também tem momentos que a gente se sente muito cansada, é uma rotina muito pesada”, conta Elisangela.

Kamila Bugareli atualmente trabalha como projetista e estuda acessibilidade e inclusão nos espaços urbanos públicos e privados. Ela explica que, desde o nascimento de Miguel, contou com uma ampla rede de apoio de familiares. Porém, ela acredita que essa não é a realidade da maioria das mães de crianças com deficiência.

“Existe um índice altíssimo de abandono paterno, por exemplo. Então, tem mães solo, que são arrimo de família, e ainda tem que cuidar da rotina cansativa e exaustiva do cuidado, que é preciso ter com uma criança com deficiência. E esse cuidado, na maioria esmagadora das vezes, recai sobre as mães, inviabilizando a possibilidade de ter tempo de estudo, trabalho, autocuidado e autonomia financeira”, avalia.

Ainda assim, ela diz que não perdeu a esperança na construção de um mundo mais gentil com as pessoas com deficiência.

“Nos últimos períodos, a gente vem dando alguns passos em relação à conquista de alguns direitos. Ainda está muito distante do que é o ideal para garantir a qualidade de vida da criança e da pessoa com deficiência. Mas, essas crianças vão crescer, elas vão ser adultas. Antes, elas não eram vistas na nossa sociedade. Hoje, elas passaram a fazer parte, foram para as escolas, estão nos espaços, mesmo que eles ainda não estejam preparados e adequados para atendê-las”, conclui Kamila.

Edição: Larissa Costa