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A mídia e os resultados do Pisa: o que está ruim sempre podemos deixar pior

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Segundo relatório da própria OCDE, o Brasil é o terceiro pior país em gasto público com educação da organização - Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Justamente porque a escola faz muito, esperamos dela cada vez mais

Há alguns dias saíram os resultados da avaliação 2022 do Programme for International Student Assessment (Pisa), realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a partir de uma amostra de estudantes com 15 anos de idade de diversos países que realizam provas equivalentes de leitura, matemática e ciências.

Como é de praxe, a mídia divulgou os números com alarmismo, enfatizando a má posição do Brasil no ranking, analisando as informações com a profundidade de um pires e reiterando a interpretação de que o país nunca poderia estar bem numa avaliação desse tipo porque estamos (sempre) vivendo uma “crise do ensino”.

O que chama a minha atenção a cada vez que os resultados saem é a evidência de que a manchete do jornal já está pronta antes de termos os números: o Brasil vai mal e, se estiver melhor do que pensamos, pode-se sempre destacar que ainda é pouco, que não melhorou tanto assim, que há outros países com melhor ensino... 

Ao contrário de achar que esses números não servem para nada, considero que nos dizem muito sobre muita coisa. Sobre qualidade do ensino é que não dizem nada, mas podem ser muito instrutivos se analisarmos pelo ângulo da geopolítica e dos jogos de poder em escala global.

O que dizer de um exame padronizado, criado em 2000, com referências epistemológicas e curriculares eurocentradas em que, afinal, os países “campeões” são asiáticos? O que dizer do fato de que a França, por exemplo, fique atrás da Coréia, da Estônia, da Suíça e do Japão em matemática, com diferença de mais de 30 pontos?

Vale dizer que o relatório da OCDE não faz o ranking de países, mas não demora mais que dois segundos para que os jornais dos vários cantos do mundo peguem esses números e coloquem em ordem decrescente. E, que ninguém se iluda, os jornais da parte norte do globo também tendem a destacar o quão mal vai a educação em seus países.

Ora, é de se pensar, o ensino tem má qualidade na França? A educação vai mal em todo lugar? Tem algo sobre essa forma simplificada de colocar os países em relação num domínio tão profundamente diferenciado em função da história e dos valores de cada país, como é o caso da educação.

Realidade do Brasil

No que se refere ao Brasil (e seu sempre reiterado mal desempenho), eu poderia lembrar que estar mal classificado em um ranking não significa necessariamente que o desempenho é ruim. Basta observar, por exemplo, que nos Jogos Olímpicos o último lugar é ocupado por um atleta de alta performance, assim como o primeiro lugar.

O que define a posição de cada um é, frequentemente, uma diferença pequena de pontuação que não permitiria desprezar a capacidade dos mal colocados – todos eles desempenham muito melhor do que eu e você na prova específica que realizam. Ou seja, é preciso observar as diferenças de pontuação, que nem sempre são grandes.

Sempre se pode argumentar, no entanto, que olhando bem, há diferenças de pontuação expressivas entre os resultados do Brasil e a média da OCDE. Isso significa que nossos estudantes desempenham pior que aqueles de outros países nessas provas especificamente. Nesse ponto, no entanto, não tem como deixar de dizer que a educação vale como processo social independentemente dos resultados específicos em provas quaisquer que sejam.

Estou dizendo que, mesmo quando os alunos aprendem pouco na escola, a escolarização é um processo educativo importante na vida de cada um? Sim, estou dizendo isso. Estou dizendo que pouco me importa se os alunos não aprendem nada na escola? Não, isso eu não disse.

Me importa muito que crianças e adolescentes aprendam, mas para que isso aconteça é preciso que estejam na escola (parece óbvio, mas não está garantido) e que essa escola tenha infraestrutura e equipe profissional que propiciem a realização do trabalho educativo em boas condições (ainda não temos).

Considero impossível que um aluno inserido e acolhido nas dinâmicas educativas de uma instituição escolar não aprenda nada nos anos em que passa na escola. Aprende muito, sobre conteúdos curriculares e sobre muitas outras coisas que importam na vida em sociedade. Talvez aprenda menos do que gostaríamos, mas é bom lembrar que, justamente porque a escola faz muito, esperamos dela cada vez mais.

Há 50 anos, quase metade das crianças em idade escolar estava fora da escola no Brasil e 30% das que frequentavam às aulas reprovavam a série ao final do ano letivo. Melhoramos de lá para cá. Atualmente, 99,3% da população em idade escolar estão matriculados e temos conseguido manter na escola os alunos até mais ou menos o 8º ano do Ensino Fundamental.

Os dados acima significam, é preciso reconhecer, que ainda não temos conseguido garantir o direito à educação. Daí que me parece despropositado o alarde com relação aos resultados do Pisa. Como poderia o Brasil ter excelentes resultados se sabemos que não temos conseguido manter a totalidade de nossos alunos na escola até os 15 anos?

Na verdade, não precisamos dos resultados do Pisa (conhecer as estatísticas do Inep já seria suficiente) para concluirmos que temos um problema em educação no Brasil que tem que ser resolvido e não é o desempenho, mas a garantia do direito à educação.

Diferenças de investimento

Ainda com relação aos resultados recentemente publicados, eu poderia lembrar o fato de que, para que nossos alunos possam aprender – sobre conteúdos curriculares formais e outras muitas aprendizagens propiciadas pela frequência à escola –, precisamos assumir que educação se faz com aportes substanciais de recursos. Dinheiro, eu estou falando de dinheiro.

E, nesse sentido, chama a minha atenção que a divulgação dos resultados e o alarde sobre a má posição do Brasil no ranking não vêm acompanhadas da informação de que o Brasil, segundo outro relatório da própria OCDE, é o terceiro pior país em gasto público com educação. Por aqui, o gasto anual por aluno da Educação Básica é de US$ 3.583, enquanto o gasto médio dos países da OCDE é US$ 10.949.

De novo, cabe a pergunta: alguma surpresa que os resultados do Brasil no Pisa não sejam semelhantes aos de países que gastam mais de US$ 10 mil por aluno? Analisando bem, podemos sim dizer que os resultados do Brasil são excelentes e se devem, sobretudo, ao trabalho competente de milhares de professores – aqueles mesmo que têm sido historicamente desacreditados e escandalosamente mal pagos.

Eu poderia lembrar, ainda, que avaliar apenas leitura, matemática e ciências expressa pouco sobre as muitas dimensões do trabalho desenvolvido nas escolas e seguir com uma lista grande de coisas a dizer. No entanto, o que quero mesmo destacar é o mal que nos faz o modo como essas comparações são produzidas e divulgadas.

Isso nos desfoca dos problemas reais que temos que enfrentar (como a insuficiência dos gastos em educação), nos faz procurar problema onde não tem, nos faz descontinuar boas práticas escolares, nos impede de ver que fazemos muito com o pouco que temos e que isso não é de se desconsiderar. Por fim e mais importante, nos desanima ao reforçar a impressão de que todo o trabalho sério que fazemos nas escolas brasileiras não daria bons resultados. Desanimados com o que somos e com o que fazemos, desempenhamos sempre pior do que poderia ser.

 

Natália Gil é doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora do grupo de pesquisa “HISTEB - História da escolarização no Brasil: políticas e discursos especializados”. Tem se dedicado a investigar a história da exclusão na escola brasileira e as implicações dos processos de quantificação em educação.

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa