Para especialistas, o primeiro ano do segundo mandato de Romeu Zema (Novo) foi marcado pela redução ainda maior do papel do Estado, o que trouxe impactos diretos na qualidade de serviços públicos essenciais para a população, pela ofensiva às empresas estatais e pela falta de protagonismo do governador na resolução de questões fundamentais para Minas Gerais, como o problema da dívida pública com a União.
“Ele não cumpriu os mínimos constitucionais na educação e na saúde e deixou de transferir dinheiro para vários fundos. Em seu segundo mandato, Zema continua não olhando para os mais pobres. Ele está interessado nos empresários e no ganho de capital. Além disso, é uma gestão da propaganda. Promete muito, mas não entrega quase nada”, avalia a auditora fiscal, Eulália Alvarenga.
Mobilização popular foi definidora
Na avaliação dela, também é preciso destacar a presença de um elemento definidor, que dificultou que Romeu Zema conseguisse emplacar parte de suas prioridades políticas e econômicas: a ampliação da mobilização popular.
No último ano, o governador apresentou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) matérias que dinamizaram o cenário político no estado. As propostas tratavam sobre a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e sobre a retirada da obrigação constitucional de realização de um referendo popular e de maioria qualificada na ALMG para privatizar empresas estatais estratégicas, como a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).
Zema coloca seus interesses acima dos da população
“A pressão popular e de deputados progressistas foi muito grande, o que impediu que ele avançasse nas privatizações. Outra pauta que, mesmo tendo conseguido impor seu projeto ‘por cima’ flexibilizando a legislação, Zema teve que lidar com a resistência dos movimentos foi a questão ambiental”, continua Eulália Alvarenga.
Ao longo de 2023, movimentos populares e entidades sindicais organizaram greves, manifestações e deflagraram a construção de um Plebiscito Popular em defesa das empresas estatais mineiras, dos serviços e dos servidores públicos.
Perda de protagonismo
Durante todo o ano, o governador apresentou a adesão de Minas ao RRF como a única forma de resolver a questão fiscal do Estado. A medida foi duramente criticada por, entre outros motivos, não resolver definitivamente a questão da dívida do Estado com a União, retirar direitos históricos do funcionalismo, precarizar os serviços públicos e congelar salários.
Na avaliação da doutora em ciência política Bertha Maakaroun, ao insistir na proposta, além de não conseguir aprová-la, Romeu Zema perdeu a possibilidade de ser protagonista na resolução de uma das principais questões do Estado.
“Perdeu o protagonismo na condução do problema da dívida mineira, porque queimou as pontes de interlocução com o governo federal, preso a uma perspectiva ideológica e acreditando ter, no discurso bolsonarista, o principal passaporte para a alavancagem de sua eventual candidatura à presidência da República em 2026”, avalia Bertha.
Previsão é de déficit de R$ 8 bilhões no orçamento de MG em 2024
Enquanto isso, os presidentes da ALMG e do Senado, junto às bancadas estadual e federal de oposição ao governador, articularam uma proposta alternativa ao RRF e estão em interlocução nacional para tentar viabilizá-la.
Relação com a ALMG não foi tão fácil assim
A reeleição de Romeu Zema em 2022 veio acompanhada por uma nova conformação no parlamento mineiro que, em tese, conferiria a ele uma maioria absoluta dos deputados.
Porém, ainda que tenha conseguido aprovar com facilidade alguns projetos, como a reforma administrativa e aumento de seu próprio salário em quase 300%, Bertha Maakaroun avalia que a relação do governador com o legislativo não foi tão pacífica quanto o esperado, por falta de habilidade da gestão, além da pressão popular, que dinamizou o posicionamento dos deputados.
É preciso avançar na politização da sociedade
“Ele apostou que, com a mudança no comando da Assembleia Legislativa, teria a ‘docilidade’ do legislativo. Mas, tal aposta não se confirmou, por alguns motivos. Em primeiro lugar, porque Zema só aderiu à candidatura do atual presidente da Assembleia quando esta já estava alinhavada em ampla articulação da direita à esquerda”, comenta.
“Além disso, os deputados não aceitaram ser tratorados no debate da adesão ao RRF, que foi enviado apenas no fim do ano, com urgência para aprovação, sob a alegação de que se não aprovado haveria atrasos de salários e repasses às prefeituras. Em análise técnica, compreenderam que o RRF resolveria a situação do governo Zema, que seguiria sem amortizar a dívida mineira, mas legaria ao Estado uma dívida estimada em R$ 210 bilhões ao final de nove anos”, conclui Bertha Maakaroun.
Aprovação do governador é frágil
Outro possível “calcanhar de Aquíles” do segundo mandato de Zema, na opinião do economista José Prata Araújo, é a falta de entregas concretas, que impactam na vida da população, e a dificuldade de imprimir qual é a sua marca.
O especialista acredita que, diferente dos quatro primeiros anos de gestão, quando o governador se apresentou como quem iria “restabelecer a funcionalidade do Estado” e “colocar os salários em dia”, o discurso e a prática do governador são mais frágeis.
:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::
“Ele não tem uma marca de governo. Para se ter uma ideia, uma pesquisa recente mostra que a aprovação dele ainda é expressiva, porém 72% dos entrevistados ignoram qualquer coisa que ele fez. Simplesmente desconhecem”, explica José Prata Araújo.
Liquidante do Estado
O economista acredita que a falta de resolução, por parte do governo de Minas, para as questões reais e concretas que tocam a vida da população é proposital e uma opção política. Isso porque, na avaliação dele, o governador tem um espírito empresarial, que o início de seu segundo mandato deixou ainda mais claro.
“Ele perdeu receitas gigantescas, porque ele não quer arrumar o Estado. Na realidade, ele usa a redução da receita para reduzir o tamanho do Estado. É isso que ele faz. É um estilo da arte política que eu chamo de “liquidante do Estado”, continua.
Bolsonarista de carteirinha
Outra característica da gestão Zema em 2023 criticada por José Prata Araújo foi a falta de capacidade de construir pontes com o governo federal e atrair recursos e possibilidades para Minas Gerais.
Para ele, a postura só reafirmou o que muitos já sabiam, ideologicamente e economicamente, o governador é alinhado ao projeto derrotado nas eleições presidenciais de 2022 e, por isso, se recusa a colocar os interesses da população que ele governa à frente de suas opções pessoais.
“Apoiou o governo Bolsonaro (PL) e não tomou medidas contundentes contra a covid-19, como a defesa da vacinação. Agora, não recebe ninguém e nem vai à Brasília. Não se apresenta para o governo federal e, portanto, não se apresenta para governar o estado”, conclui o economista.
Perspectivas
Para o economista do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Weslley Cantelmo, 2024 promete movimentar ainda mais os atores políticos no estado.
Ele acredita que, por se tratar de um ano eleitoral e pela previsão de déficit orçamentário já apresentada pelo governo, Romeu Zema irá buscar favorecer seus aliados em busca de cargos nos executivos e legislativos municipais.
“Até abril está em aberto a discussão sobre o RRF e as privatizações, a depender das articulações com a ALMG e o governo federal. Ele vai ter dificuldades de se sustentar na relação com os municípios neste ano, porque tem a previsão de um déficit de R$ 8 bilhões no orçamento, com previsões de investimentos muito baixos”, explica.
“É um governo sem muita margem de manobra, em um ano eleitoral. Ele vai buscar despejar o máximo possível de recursos, via emendas parlamentares, nos municípios em que ele considera que tem apoio e nos que ele acredita que tem possibilidades de angariar apoios para o processo eleitoral de 2026”, conclui.
Diante desse cenário, os quatro especialistas apontam que é preciso seguir apostando na mobilização popular, como forma de enfrentar as medidas de Romeu Zema e aprofundar as possibilidades de acumular forças para um projeto alternativo.
“É preciso superar a fragmentação dos movimentos populares e sindicais e avançar na politização da sociedade, a partir de um processo de formação política intenso, de trabalho de base”, aponta José Prata Araújo.
Edição: Elis Almeida