Leis anteriores foram para inglês e estadunidenses verem
O sociólogo Robert K. Merton deu uma importante contribuição à análise funcionalista, partindo dos conceitos de função manifesta, que seria o objetivo declarado de um dado cultural, e função latente, que seriam os objetivos não declarados.
Ao considerarmos sob esses conceitos as leis pioneiras para o fim da escravidão, para a criminalização do racismo e para o seu enfrentamento, de forma positiva, essas leis parecem cumprir com excelência as suas funções latentes, enquanto as suas funções manifestas são, direta ou indiretamente, negligenciadas.
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Lei para inglês ver!
Com essa expressão ficou conhecida a primeira lei para o impedimento da escravização no Brasil, a Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831, que declarava livres todos os escravizados vindos de fora do Império, e impunha penas aos importadores dos mesmos.
É sabido que no primeiro ano de vigência houve uma diminuição nas importações africanos, mas com o tempo o tráfico humano aumentou novamente. De fato, essa lei nunca saiu realmente do papel, sendo praticamente ignorada por traficantes escravistas, e mesmo pelo Estado.
Elaborada para acalmar os ânimos dos ingleses que pressionavam pelo fim do regime de escravidão, a Lei Feijó também serviu para acalmar a militância abolicionista no país, sinalizando como um primeiro passo rumo a libertação.
Lei para estadunidense ver!
A primeira lei de enfretamento ao racismo no Brasil, a Lei Afonso Arinos de 1951, que proibia discriminação racial, promulgada por Getúlio Vargas, a motivação veio depois de um caso de discriminação envolvendo a bailarina afro-estadunidense Katherine Dunham. Ela foi impedida, em razão da sua cor, de se hospedar em um hotel em São Paulo. O caso não teve tanta notoriedade no Brasil, mas repercutiu negativamente no exterior.
Embora a Lei Afonso Arinos represente um marco importante na luta contra o racismo, a mesma não obteve tanto efeito na prática, posto que as denúncias frequentemente eram ignoradas, não havendo condenação.
O que nos leva a crer que esta Lei, tal qual a Lei Feijó, funcionou para acalmar as pressões exteriores e também para acalmar a militância interna que também a interpretou como o sinal de um começo.
Lei 10.639 de 2003: para militante ver!
A Lei 10.639 de 2003, por sua vez, também é marcada pelo seu pioneirismo. Ela se propõe a enfrentar o racismo existente na sociedade brasileira a partir do ambiente escolar. Para isso, ela obriga a inclusão do ensino e da valorização da história e cultura da África e dos afrodescendentes no Brasil nos currículos escolares.
Diferente das outras leis supracitadas, a Lei 10.639 não estabelece penas pelo seu descumprimento, bem como não estabelece mecanismos para a sua fiscalização e possível controle.
Sabe-se que nos grandes centros e nas cidades onde se encontra uma militância negra atuante, ainda se peleja para tirá-la do papel. Entretanto, quando se considera as cidades pequenas do interior do país, fora dos olhares da militância, não é possível afirmar com certeza acerca de seu estado.
Passados 21 anos de sua vigência e longe da euforia inicial da conquista que a Lei 10.639 representou, creio ter chegado a hora de fazermos um balanço dos avanços e dos problemas que ainda persistem para a sua real implantação.
Dimas Antônio de Souza é professor de ciência política do Instituto de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e escreve quinzenalmente para esta coluna. Twitter: @prof_Dimassouza; Instagram: @prof.dimasoficial
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
Edição: Elis Almeida