Passados cinco anos desde o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que atingiu toda a bacia do Rio Paraopeba e deixou 272 vítimas fatais, nenhum responsável foi punido. Ao todo, 16 pessoas físicas foram denunciadas por homicídio doloso duplamente qualificado. A Vale e a empresa alemã de inspeções e certificação TÜV Süd também foram denunciadas por crimes ambientais. Porém, o processo ainda está em fase de citação.
A demora é motivo de frustração para as famílias atingidas, que não acreditam na possibilidade de reparação sem um desfecho penal para o caso. É o que explica Maria Regina Silva, de 59 anos. Ela é mãe de Priscila Ellen Silva, uma das vidas perdidas durante o rompimento, e membro do conselho fiscal da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão em Brumadinho (Avabrum).
“Se os responsáveis por esse crime não forem punidos, nós podemos abrir mão de qualquer justiça. Não foi qualquer crime, as 272 pessoas não foram simplesmente mortas e as famílias foram lá e recolheram os corpos. Elas foram esmagadas, foram mineradas. Nós não tivemos o direito de dar um enterro digno aos nossos filhos. Nós enterramos segmentos corpóreos e não os corpos da forma como eles entraram na empresa para trabalhar. Se não houver justiça para isso, podemos desistir do Brasil”, enfatiza Maria Regina.
:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::
Processo poderia estar mais adiantado
Até o fim de 2022, o processo tramitava na Justiça mineira. Porém, após solicitação de dois dos réus, Fabio Schvartsman, ex-diretor-presidente da Vale, e Felipe Figueiredo Rocha, engenheiro da mineradora, um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) transferiu o caso para a esfera federal.
Quando aconteceu a mudança, as pessoas físicas e empresas, que foram denunciadas ainda em 2020, já haviam sido citadas. Com a alteração, parte do procedimento precisou ser refeito. O procurador responsável pelo caso no Ministério Público Federal (MPF) Bruno Nominato explica que esse é um dos motivos da demora para a punição dos responsáveis.
“O MPF está tomando todas as medidas cabíveis para que esse processo ocorra da forma mais célere possível. O fato de haver um deslocamento de competência, realmente causou atraso na tramitação. Porque, se o processo tivesse ficado na Justiça estadual, ele já estaria bem mais adiantado. E com a mudança foi preciso refazer alguns atos que já haviam sido praticados”, avaliou, ao Brasil de Fato MG.
Promotor responsável pelo caso defende que “houve vontade de praticar o homicídio”
Ao mesmo tempo, o procurador Bruno Nominato enfatiza a necessidade de dar uma resposta penal ao crime o mais rápido possível. Para ele, merece destaque o fato de que as empresas e seus responsáveis seriam conhecedores da proporção dos impactos de um rompimento de barragem de rejeito. Por isso, o caso deveria ser levado ao Tribunal do Júri, que julga crimes dolosos, quando há a intenção de matar.
“Esperamos conseguir que esse caso vá ao Tribunal do Júri e que seja mantida a tipificação do crime como homicídio, porque entendemos que houve o dolo e a vontade de praticar o homicídio. Todas essas pessoas sabiam das consequências da não observância da segurança de barragens, porque houve um rompimento anterior, em Mariana, no ano de 2015, que estava fresco na memória”, argumenta.
A opinião do procurador é endossada pelo jurista Danilo Chammas, que argumenta que, mesmo que não seja possível afirmar sobre a intenção dos denunciados, eles assumiram o risco de matar. “Uma eventual desclassificação para homicídio culposo retira o processo do Tribunal do Júri e diminuirá bastante as possibilidades de aplicação de uma pena proporcional ao tamanho da brutalidade que as vítimas sofreram”, explica.
Sistema penal falha
Dois inquéritos da Polícia Federal foram concluídos com o indiciamento de 13 pessoas por falsidade ideológica e 19 por homicídio doloso e por crime ambiental. Isso permite que as acusações sejam ampliadas, caso o Ministério Público Federal apresente novas denúncias.
Ao mesmo tempo, Danilo Chammas destaca que as leis penais não estão preparadas para lidar com casos como o “brutal massacre”, em suas palavras, que aconteceu em Brumadinho.
“A legislação brasileira carece, por exemplo, de um crime ambiental com a previsão de uma pena que seja condizente com a extensão e a intensidade dos danos provocados por um fato como um rompimento de uma barragem. Quanto a isso, torcemos e atuamos para que o Congresso Nacional aprove sem demora o projeto de lei que cria o delito de ecocídio”, explica, fazendo referência ao Projeto de Lei 2933/23, apresentado pelo deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP).
Além disso, o advogado menciona como outro limitante da Justiça brasileira o que alguns pesquisadores da criminologia chamam de “seletividade do sistema de justiça criminal”, que é a ideia de que, no Brasil, a forma como a lei penal é aplicada muda de acordo com as condições social e racial dos acusados e das vítimas.
“É o que faz, por exemplo, com que nossas prisões estejam abarrotadas de jovens negros respondendo por crimes contra o patrimônio, como pequenos roubos, e que, ao mesmo tempo, pessoas brancas condenadas por crimes por vezes mais graves possam responder ao processo tranquilamente em liberdade”, exemplifica Danilo Chammas.
Ex-presidente da Vale tenta se livrar
O ex-presidente da Vale Fábio Schvartsman entrou com um habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) negando a responsabilidade pelo crime, em busca de ser retirado da lista de réus do processo. Até o momento, o julgamento que decidirá sobre a validade do pedido ainda não tem data para ser concluído.
Atualmente, o denunciado é conselheiro de administração da Vibra Energia, antiga BR Distribuidora. Até março do ano passado, ele recebia remuneração de mais de R$ 16,5 milhões para desempenhar o cargo.
Maria Regina é enfática ao defender que não é possível que Fábio Schvartsman não tivesse conhecimento sobre o que acontecia na empresa e, portanto, para a atingida, ele deve ser responsabilizado.
“O dirigente maior de uma empresa é igual ao dono de uma casa. Ele sabe tudo o que acontece ali dentro, é a obrigação dele. Quando Fábio veio para Brumadinho, ele dizia ‘Mariana nunca mais’. A empresa repetiu o crime e, agora, ele não quer assumir”, destaca a atingida.
Atingidos agora têm Observatório das Ações Penais
No marco das atividades de denúncia dos cinco anos do crime, foi lançado no dia 22 de janeiro, o Observatório das Ações Penais sobre a Tragédia em Brumadinho, com o objetivo de facilitar o acesso às informações e criar um acervo virtual permanente, que possa ser atualizado pelos atingidos.
A plataforma reúne e disponibiliza 91 atos dos processos judiciais relacionados ao rompimento da barragem. Além disso, possui uma linha do tempo, desde a apresentação da denúncia, sobre a tramitação judicial. Para acessar o acervo, clique aqui.
Outro lado
Em nota ao Brasil de Fato MG, a Vale afirmou que o processo segue seu curso regular e que, “desde o início das investigações, sempre colaborou com as autoridades e continuará colaborando”.
Edição: Larissa Costa