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Carnaval de BH: espontaneidade versus controle

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"O carnaval de BH foi um autêntico movimento popular, fruto da vitalidade, da criatividade e da espontaneidade do povo e especialmente da juventude belorizontina." - Foto: Reprodução/ PBH
Manifestações culturais como o carnaval de BH dão esperança

Já começou mais um carnaval de Belo Horizonte.

Há 20 anos, a cidade ficava vazia nessa época, para quem não gostasse dos festejos, a capital mineira era o lugar ideal.

Ninguém previu o que aconteceria.

Além de imprevisto, o carnaval de BH foi um autêntico movimento popular, fruto da vitalidade, da criatividade e da espontaneidade do povo e especialmente da juventude belorizontina.

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Nasceu desligado de impulsos econômicos e empresariais, e de apoio de políticos ou do poder público. Nesse último caso, na verdade, até contra, pois uma de suas origens foi a famosa "praia da estação", quando um prefeito, cujo nome nem merece ser lembrado, quis proibir eventos culturais na Praça da Estação, e houve uma resposta de ocupação do espaço por manifestantes, em trajes de banho, com muita música e animação.

Ou seja, além de popular, a semente do carnaval de BH foi política. Característica mantida até hoje, vide, em anos recentes, os protestos contra o ex-presidente e seu projeto de ditadura, ou, neste ano agora, as críticas ao atual governador, com direito a deliciosa marchinha que já caiu no gosto do povo, e os protestos contra o massacre dos palestinos. Claro que nem todos os blocos e foliões são assim, mas, para incômodo dos poderosos, a veia política e contestadora do nosso carnaval segue viva.

Hoje, porém, transformado o carnaval belorizontino em evento cultural cada vez maior, atraindo gente de todo o Brasil, é óbvio que os poderes econômicos e políticos se aproveitem da festa, que virou um grande negócio e uma oportunidade política.

É sempre assim.  É da natureza do poder - de qualquer tipo, político, econômico, social, cultural, religioso etc - querer impor seus interesses materiais, seus pontos de vista, suas justificativas, querer dominar, em suma. E para dominar é fundamental tornar os dominados previsíveis. Consegue-se, em boa medida, mas, felizmente, até hoje, nunca de forma plena. Volta e meia escapam, por entre os dedos de ferro dos donos do poder, os episódios de imprevisibilidade e contestação dos dominados.

Contribuição decisiva para que a história e a vida humana não sejam completamente pré-determinadas...que bom!!!

Rotina e previsibilidade fazem parte da vida humana, precisamos delas como referências. Alguma dose, porém, de casualidade e variação também é necessária e saudável, ainda mais quando boa parte das rotinas nos são impostas como mecanismos de dominação.

Acontecimentos improváveis

E assim, não só o carnaval de BH, mas vários outros acontecimentos históricos foram, antes de ocorrerem, absolutamente improváveis - embora, depois, sejam "naturalizados", ou seja, vistos como sequencia "normal", "inevitável", dos encadeamentos históricos.

No campo da cultura, quem imaginaria, nos anos 1940 e 1950, que a juventude inglesa, arrebatada de amores pela música afro-americana dos EUA, iria, depois, invadir o próprio mercado norte-americano, e, a partir dele, ganhar o mundo, tendo o fenômeno Beatles como abre-alas para outros tantos músicos britânicos? Os quais tocavam não só a música de Elvis, o rock and roll, mas a base dela, o blues, revelando aos norte-americanos seus artistas negros que a crosta de racismo abafava.

Os exemplos não ficam só no campo sociocultural.

Quem, em 1984 ou 1985, adivinhou que, poucos anos mais tarde, a URSS já não existiria? E que seu fim ocorreria não por ação direta externa, mas por desintegração interna? Foi algo, na época, absolutamente surpreendente!

Ainda bem que os donos do poder não logram, sobre nós e sobre a história, controle e previsibilidade absolutos! Mas seguirão sempre tentando.

Os novos meios digitais de comunicação, as redes sociais, a Inteligência Artificial, são instrumentos poderosos para isso, e não é teoria da conspiração afirmar que esse é o grande objetivo oculto dos patronos dessas tecnologias: controlar o mais que puderem nossos comportamentos, tornar-nos dóceis carneirinhos absolutamente previsíveis.

"O grande perigo", disse Miguel Nicolelis, "não é o computador imitar o cérebro humano, mas o cérebro humano imitar o computador". O sonho de domínio e controle total dos donos do poder se realizaria!

Manifestações culturais como o carnaval de BH, presente que o povo da cidade se deu, estão aí para nos dar esperança. A previsível intervenção do dinheiro e do poder político  já desfigurou e desvitalizou um pouco a festa, mas não lhe tirou, ainda, toda a beleza e espontaneidade.

Se isso, um dia, infelizmente ocorrer, vamos responder com fé e com ação: outros carnavais virão!

 

 

Rubens Goyatá Campante é doutor em Sociologia pela UFMG e pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (CERBRAS/UFMG)

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Leia outros artigos de Rubens Goyatá Campante em sua coluna no Brasil de Fato MG

 

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Este é um artigo de opinião, a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

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Edição: Elis Almeida