Pouco ou nada se fez estruturalmente para enfrentar o problema
No início deste ano, o tema “apagão de professores” vem sendo pautado pela imprensa nacional. “Apagão de professores: a maioria dos estudantes de licenciatura desiste da carreira docente antes da formatura”, diz a revista Carta Capital, de 31 de janeiro de 2024. “Educação no vermelho: pesquisa indica possível ‘apagão de professores’”, jornal Super Notícia, de 2 a 9 de fevereiro de 2024.
A expressão ‘apagão’ é uma analogia à crise nacional de energia elétrica ocorrida no governo FHC, entre 2001 e 2002, e alude à ideia de faltar algo, no caso, o professor nas escolas. O “apagão de professores”, do mesmo modo que o apagão da energia elétrica, não é um fenômeno novo no Brasil!
Inúmeras publicações trataram da ameaça de falta de professoras nas escolas brasileiras nos últimos 20 anos, dentre as quais podemos citar:
“Plano Emergencial para Enfrentar a Carência de Professores no Ensino Médio: Chamada Nacional” (MEC, 2005); “Escassez de professores no ensino médio: propostas estruturais e emergenciais” (CEB/CNE, 2007); “Procuram-se mestres: Ensino básico da rede pública tem déficit de mais de 250 mil professores qualificados” (Revista Ciência Hoje, SBPC, 2008); “Por que tão poucos querem ser professor” (Revista Nova Escola, 2010); “Censo Escolar 2013: Perfil da docência no ensino médio regular” (INEP, 2015); “Carência de Professores na educação básica: risco de apagão?” (INEP, 2023).
O problema é que como pouco ou nada se fez estruturalmente para enfrentar o problema, o futuro vaticinado por aqueles documentos chegou. Já não se trata, pois, de uma situação futura, é realidade nas escolas públicas. Entendemos, entretanto, que o ‘apagão’ não é a mera falta do professor nas escolas, mas a falta do professor habilitado, o que torna a situação bem diferente.
O fato é que não faltarão professores nas escolas brasileiras enquanto se admitir o inadmissível: um professor de matemática lecionar história, um professor de português dar aula de química, etc.
Essa situação já está bem diagnosticada desde o Censo Escolar de 2013. Nenhuma das disciplinas do ensino médio é lecionada 100% por professores habilitados na respectiva disciplina. Por exemplo, nos dados de 2013, apenas 43,2% dos docentes que lecionavam química no ensino médio regular possuíam a formação específica. Dos que lecionavam matemática, 66,5%, e de língua portuguesa, 75,6%.
Esse cenário, em que ‘todo mundo pode dar aula de tudo’, mascara a precarização da docência na escola pública e não expõe a gravidade do “verdadeiro apagão’: a falta do professor licenciado, suprida por não habilitados.
Enquanto isso, não faltam vagas nos cursos de formação de professores. Ao contrário, os cursos gratuitos de licenciatura nas universidades públicas registram baixa procura e elevada evasão (aproximadamente 58%, em 2022). A razão dos concluintes em relação aos ingressantes é baixa: aproximadamente um terço conclui o curso. No curso de Matemática, por exemplo, em 2013, a razão dos concluintes, em relação aos ingressantes de 2010, era de 33,7%”.
Baixa atratividade
A educação superior, em geral, tem despertado baixa atratividade: dados de 2024, alarmantes, revelam que menos da metade dos concluintes do ensino médio das escolas públicas se inscreveu no ENEM.
São fatores importantes os baixos salários e excessiva contratação temporária de professores, que em algumas redes estaduais e municipais correspondem à quase totalidade dos docentes - em flagrante descumprimento do artigo 37, da Constituição Federal de 1988, que exige o concurso público. Aliados a outros fatores, como violência e péssimas condições de trabalho nas escolas, agravam a situação e sinalizam ao futuro candidato a professor: não há boa perspectiva de carreira no magistério!
As condições de exercício profissional do professor (contratação, remuneração, carreira e condições de trabalho do magistério, sobretudo nas escolas públicas, que recebem mais de 80% da matrícula na educação básica) determinam a falta de atratividade do magistério na educação básica. Acarretando baixa procura e evasão nos cursos de licenciatura, assim como a futura desistência da profissão, no caso dos que chegam a concluir a licenciatura.
A roda vai girando no vazio, movida pelas contratações temporárias de estudantes de licenciatura, que, se não se evadirem, ao se formarem não irão encontrar meios de ingressar na carreira, pois carreiras não há, mas apenas contratações temporárias. Ou seja, ocupações provisórias e com baixos salários.
A superação dessa situação requer medidas concretas no sentido de se promover a efetiva valorização da carreira do magistério (admissão somente por concurso público, para lecionar somente a disciplina para a qual é habilitado, com salário compatível, progressão na carreira, dedicação exclusiva a uma escola e condições adequadas de trabalho nas escolas).
A política do piso salarial nacional dos professores, instituída por lei, em 2008, não solucionou a questão salarial e de carreira do magistério. É necessário que a carreira do magistério da educação básica seja alçada, efetivamente, à condição de uma Carreira de Estado, para que usufrua de padrões dignos de contratação, de remuneração e de progressão na carreira, estabelecidos nacionalmente.
Alexandre Borges Miranda é professor do Departamento de Administração Escolar da Faculdade de Educação da UFMG.
---
Leia outros artigos da coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG
---
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida