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Dicionarizando a literatura mineira

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À pessoa interessada pela literatura mineira, dois dicionários não podem faltar

Eu gosto de dicionários, e gosto-os impressos, paixão que me foi transmitida por Carlos Cury e Eliane Lopes, ex-professores, hoje amigo e amiga, e sempre mestres!

Sou do tempo em que os mais desavisados os chamavam de “pai dos burros” e deles tenho uma coleção... e folheio-os de vez em quando, mesmo que não seja para consultar sobre algo específico. Hoje, felizmente, há dicionários para todos os gostos e necessidades.

Um dos que mais gosto é o Dicionário de lugares imaginários, do Alberto Manguel e do Gianni Guadalupi (Cia das Letras, 2003). Nele, os autores vão ao encontro, e descrevem, os lugares imaginados/imaginários pelas obras literárias as mais diversas. Lê-lo é uma viagem!!!

Todos os dicionários, claro, têm história. A história de que mais gosto é a história do Dicionário de Oxford de língua inglesa, um dos mais famosos do mundo. A história deste dicionário, que demorou quase 70 anos (do final da década de 1850 ao final da década a 1928) para ser concluído é, em parte, contada no livro O professor e o [demente]~ (Record, 1999), de Simon Winchester. Trata-se, como anuncia a própria edição brasileira, de “uma história de assassinato e loucura durante a elaboração do dicionário de Oxford”. Imperdível!!

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Quero deter-me em dois dicionários. O primeiro deles foi publicado já há mais de uma década, e, o outro, recém lançado. Diferentes em seus propósitos e na maneira como foram construídos, ambos tratam da literatura mineira.

Dicionário Biobibliográfico de Escritores Mineiros

O Dicionário Biobibliográfico de Escritores Mineiros, é uma obra coletiva organizada pela professora Constância Lima Duarte, uma das maiores especialistas em literatura mineira e brasileira do país (Autêntica, 2010; 374 páginas, formato 16 x 23 cm).

Segundo a organizadora, era “ideia antiga” que somente se concretizou a partir de 2006 no interior de um curso sobre literatura mineira oferecido na Faculdade de Letras da UFMG. A partir do engajamento dos/as estudantes e da orientação de Constância Lima Duarte foram selecionados os nomes dos autores e das autoras que compõem a obras.

A ideia inicial de escolher somente pessoas nascidas em Minas Gerais se revelou “frágil”, segundo a organizadora, pois muitos autores importantes na literatura mineira não nasceram no estado. A decisão de ampliar deu mais trabalho, mas, certamente, propiciou que a/o leitora/a tenha contato com informações biobibliográficas de várias pessoas que têm uma expressiva produção e que, no critério anterior, ficariam de fora, pois não nasceram em Minas Gerais (Alvarenga Peixoto, Alberto Deodato, Libério Neves, apenas par citar alguns).

Assim, de A a Z, literalmente de Abgar Renault a Zuenir Ventura, por meio do Dicionário Biobibliográfico de Escritores Mineiros temos informações sobre a vida e a produção literária dos autores e autoras canônicos e outros nem tanto, mas nem por isso menos importantes, da história e da contemporânea produção literária mineira.

A obra está organizada por ordem alfabética do primeiro nome do autor/a (ou do nome com o qual ele/a assinava as próprias obras) e o índice traz a relação de autores e autoras com as respectivas páginas em que aparece, o que facilita em muito a consulta. Os textos são curtos – não têm mais do que duas páginas – e são agradáveis de ler. Esta é, sem dúvida, daquelas obras que não pode faltar na biblioteca de quem se interessa e quer conhecer um pouco mais da literatura que se produziu e que se produz nas Minas e nos Gerais!

Dicionário da Literatura Mineira

Outro é o Dicionário da Literatura Mineira, de Adolfo Maurício Pereira, recém lançado entre nós (Polo Books, 2023; 335 páginas, formato 30 x 21cm). Fruto de pesquisas pessoais do autor, ele também literato e residente em Cruzília/MG, e de informações acumuladas ao longo de décadas. Diferentemente do dicionário anterior, focado no autor, este traz, além disso, informações sobre instituições, obras e personagens da literatura mineira.

Menos acadêmicos em seu feitio e no controle das informações, o dicionário organizado por Adolfo Maurício Ferreira se baseia, também, em informações produzidas e fornecidas pelos próprios autores sobre suas trajetórias e suas obras. Além disso, eventualmente traz, também, imagens e avaliações e comentários de terceiros sobre a pessoa ou a obra objeto do verbete.

À pessoa interessada pela literatura mineira, o Dicionário da Literatura Mineira apresenta uma profusão de informações sobre o tema, organizadas em verbetes ora bem sucintos ora bem mais alargados. Uma de suas qualidades é, justamente, a abrangente reunião de informações sobre autores e autoras, obras e instituições literárias mineiras ao longo de vários séculos até hoje.  O formato maior faz com que seu amplo conteúdo caiba em um número reduzido de páginas.

Há que considerar, no entanto, que este último dicionário, apesar da riqueza de informações que apresenta, não facilita a vida do leitor interessado em consultar nomes ou obras específicas. Isto porque o seu índice apresenta apenas as letras – de A a Z – e as páginas concernentes a elas. Além disso, os autores são sequenciados e apresentados pelo seu sobrenome. Isso significa que, para encontrar um autor, é preciso, primeiro, saber qual é precisamente o seu sobrenome e, depois, procurá-lo dentre aqueles que começam pela mesma letra.

Como disse certa vez Adélia Prado, ela também mineira de Divinópolis e presente nos dois dicionários (aliás, seria bom enviar exemplares dos dicionários para o governador de Minas, Romeu Zema, que não a conhecia), em seu poema Cinzas: “Haverá sempre uma nesga de poeira sob as camas, um copo mal lavado. Mas que importa? (...) O que escrevi, escrevi porque estava alegre”. 

Acionando nossas memórias afetivas e efetivas, sentiremos que em ambos dicionários falta algum escritor ou alguma escritora. Isso em nada desmerece o esforço desprendido na construção dessas obras de referência para as pessoas interessadas na literatura mineira.

Aliás, depreende-se de ambas as obras a pergunta chave: “o que é mesmo a literatura mineira?”. Quem se atreve a responder tal pergunta?

 

Luciano Mendes de Faria Filho é pedagogo e doutor em Educação e professor titular da UFMG. Publicou, dentre outros, “Uma brasiliana para a América Hispânica – a editora Fondo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira” (Paco Editorial, 2021)

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida