Foi-se o tempo em que o direito à educação de jovens, adultos e idosos se esgotava na alfabetização
Nas eleições de 2022, enquanto aguardava na fila para votar, me deparei com a seguinte situação: um grupo de jovens decidiu se insurgir contra a regra que garante prioridade em estabelecimentos públicos a pessoas maiores de 60 anos, estabelecida pelo Estatuto da Pessoa Idosa. Argumentavam que esperavam há muito tempo e que aquelas pessoas com prioridade lhes pareciam “muito jovens”.
Em vão, tentamos convencê-los que aquilo que elas queriam negar àquelas pessoas idosas havia sido conquistado com muita luta e que não se tratava de um favor, mas um direito.
A mim, que estou quase chegando à situação de pessoa idosa, me chamou a atenção a falta de sensibilidade do grupo, mas também me fez retomar uma questão que há muito vem me incomodando: a falta de respostas do sistema educativo brasileiro às demandas educativas das pessoas idosas.
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Demografia da população idosa
Segundo o IBGE, de acordo com o censo demográfico de 2022, “a população de pessoas idosas residentes no Brasil era de pouco mais de 32 milhões, o que representou um aumento de 56,0% em relação ao censo de 2010. Desse total, 55,7% eram mulheres e 44,3% eram homens.”
Ainda segundo o instituto, “em 1980, o Brasil tinha 6,1% da população com 60 anos ou mais. Já em 2022, esse grupo etário representou 15,8% da população total, um crescimento de 46,6% em relação ao censo demográfico 2010, quando representava 10,8% da população”. Já as projeções apontam que muito em breve, em 2030, o número de idosos ultrapassará o total de crianças entre zero e 14 anos.
Mantido este crescimento, daqui a uma década seremos mais de 50 milhões de pessoas idosas no Brasil, o que nos coloca desafios de todas as ordens, inclusive no campo da educação. Várias áreas do conhecimento ou atuação profissional, como a saúde, a assistência social, a psicologia, a arquitetura, a educação física, a fisioterapia, entre outras, estão discutindo e construindo alternativas de serviços, políticas e formação profissional para enfrentar esses desafios. E na educação, especialmente na pedagogia, como andamos?
Pelo direito de seguir se formando
Só recentemente a área da educação começou a reconhecer e refletir sobre os desafios criados pelo envelhecimento da população. Há muito sabemos que o aumento da expectativa de vida e a maior longevidade dos cidadãos impõem desafios ao processo educativo. E essa não é a única questão.
Também está posto para o mundo e para o Brasil o desafio de encontrar alternativas para a garantia do direito à educação para as pessoas idosas. E é preciso lembrar que já se foi o tempo em que o direito à educação das pessoas jovens, adultas e idosas se esgotava na alfabetização.
Ainda que no Brasil, especificamente, esse desafio se concentre na necessidade de garantir o direito à educação básica àquelas pessoas acima de 15 anos às quais esse direito foi negado, ele não se encerra aí. Cada vez mais, temos o desafio de oferecer oportunidades educacionais, as mais variadas, para sujeitos idosos que, mesmo tendo completado a educação básica ou superior, querem, ou precisam, continuar seu processo formativo.
A área da pedagogia sempre esteve voltada para a educação da infância e, por isso mesmo, encontrou enorme dificuldade de incorporar as demandas e as especificidades da educação das pessoas jovens, adultas, e agora, idosas, e o está fazendo de forma muito lenta. Um dos indicadores dessa tomada de consciência é, por exemplo, a mudança da nomenclatura de EJA - Educação de Jovens e Adultos para EJA/EJAI - Educação de Jovens, Adultos e Idosos em vários textos que circulam sobre essa modalidade educacional.
Devemos estar à altura dos desafios
Aqui, é importante se questionar: seremos capazes de nos abrir, de fato, às demandas incorporadas pelas pessoas idosas e contribuir para a garantia de seus direitos à formação, realizada a partir de experiências educativas mais ou menos formais?
Atualmente, diversas outras áreas que se ocupam do atendimento às necessidades e aos direitos dessa população já estão em franca mobilização nesse sentido, abrindo um filão de oferta de serviços especializados, boa parte deles privados e, por isso, excludentes em relação a boa parte da população idosa.
Como podemos, nós, profissionais da educação, contribuirmos para o estabelecimento de políticas educativas voltadas para as pessoas idosas que, incorporando ou fortalecendo a necessidade de garantia do direito à educação básica, não se restrinjam a esta? Como podemos atuar na produção de experiências educativas que não se limitem aos marcos da forma escolar de educação?
Existe educação em todos os espaços-tempo de constituição do humano no mundo. No entanto, é preciso permanecer alertas, pois apesar de a pedagogia ser uma das maiores áreas de formação profissional de ensino superior no Brasil e seus profissionais terem a mais longa formação no campo da educação, corremos o risco de sermos atropelados, em nossas formas de pensar e produzir a educação para as pessoas idosas, por profissionais de outras áreas.
Parafraseando Milton Nascimento, interessa, ou deveria interessar à pedagogia ir aonde as pessoas e suas necessidades educacionais estão. Estará, a pedagogia, e estaremos, nós, profissionais da educação, à altura desse desafio? É o que veremos nos próximos anos.
Luciano Mendes de Faria Filho é pedagogo e doutor em Educação e professor titular da UFMG. Publicou, dentre outros, “Uma brasiliana para a América Hispânica – a editora Fondo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira” (Paco Editorial, 2021)
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Leonardo Fernandes