O povo cubano nos faz acreditar que a superação do capitalismo é possível
A 32ª Feira Internacional do Livro de Havana, maior feira de livros do mundo, foi realizada entre os dias 15 e 25 de fevereiro de 2024 na Fortaleza de San Carlos de La Cabaña, na capital cubana. O local foi construído no século XVIII para ser uma das barreiras de defesa da cidade de Havana contra ataques inimigos e saqueamentos piratas. La Cabaña foi declarada patrimônio mundial pela Unesco, juntamente com a parte histórica da capital, em 1982, ano em que foi realizada a primeira edição da feira do livro.
O Brasil foi o país convidado de honra neste ano. Organizada em conjunto pela Embaixada do Brasil em Cuba e o Ministério da Cultura, sob a liderança da ministra Margareth Menezes, a delegação brasileira contava com mais de 60 escritores, artistas e intelectuais, entre os quais, Conceição Evaristo, Frei Betto, Emicida e Ailton Krenak.
Após os dez dias de feira em Havana, o evento continua ao longo de todo o ano nas 15 províncias (estados) do país, em escolas, universidades, hospitais e penitenciárias. Em 2024, a 32ª edição contou com a participação de 45 países e a apresentação de mais de mil novos títulos literários. Cerca de três milhões de livros foram doados ou vendidos a preços variados e muitos podem ser baixados gratuitamente na internet. Com o tema “Ler é construir identidade”, a Feira Internacional do Livro de Havana promove a leitura como instrumento de formação da consciência individual e coletiva e do pensamento crítico autêntico.
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Foi encantador e inesquecível ver a multidão de jovens participando ativamente de uma atividade tão importante. Ver e ouvir escritores que nos levam a dialogar com o mais profundo do nosso ser e nos inspira a sermos melhores como humanos. Diante da brutal emergência climática, que produz eventos extremos cada vez mais frequentes e letais, não há tempo a perder para superarmos a barbárie do capitalismo e construirmos uma sociedade socialista, democrática, com sustentabilidade ambiental e respeito à imensa pluralidade cultural.
Pela literatura e por todas as artes, encontramos e convivemos com nossos ancestrais e com pessoas de outros tempos, tal como José Martí, nascido em Havana e considerado o Apóstolo da Pátria em Cuba. Martí esteve nas celas de La Cabaña em sua juventude como prisioneiro político por sua atividade revolucionária, foi um dos maiores poetas e escritores da cultura hispânica e precursor da Revolução Cubana. Seu compromisso político permeou toda a sua obra. Em 1891, José Martí escreveu que "as trincheiras de ideias valem mais do que as trincheiras de pedra" e que “o conhecimento liberta”.
A Cuba que não está nos meios de informação
Além de participar da 32ª Feira do Livro de Havana, viajamos cerca de 17 horas em ônibus da capital até Trinidad, passando por Varadero e Cienfuegos. Que maravilha ver com os próprios olhos que em Cuba não existe engarrafamentos, não há rios poluídos, não há agrotóxicos na alimentação, já que a comida é produzida com adubação orgânica na linha da agroecologia e tem sabor de comida de verdade. Na ilha, não há violência social, nem drogas, as praças são do povo e continuam sendo lugares de encontros e de boas conversas, sem medo de assaltos. Os jovens têm sempre à mão, além de livros, instrumentos musicais ou esportivos, demonstrando que têm acesso amplo à educação e, se quiserem, à música e ao esporte. Saúde, educação, cultura e esporte são prioridades nas políticas públicas em Cuba.
Em todas os quarteirões de todos os bairros funciona um Comitê de Defesa da Revolução (CDRs), responsável por cuidar para que os imperialistas não minem o processo revolucionário socialista em curso, e por organizar mutirões de limpeza das áreas públicas e ações de apoio e solidariedade às pessoas que mais precisam.
Em Cuba existe de fato um Sistema Único de Saúde, o público. Lá não tem planos de saúde, pois não existem hospitais privados, como também não há universidades particulares. A saúde e a educação do povo não são mercadorias, mas bens comuns que devem ser cuidados com absoluta prioridade. O povo é culto, tem consciência histórica e de cabeça erguida afirma: “Fidel somos todos nós, os 11 milhões de cubanos”. O comandante Fidel vive e viverá sempre no povo cubano, inspirando e guiando na defesa da revolução socialista.
Em Cuba não tem poluição visual da forma exagerada como há aqui no Brasil e em outros países capitalistas. O patrimônio histórico e arquitetônico é muito rico e diversificado, que vai do estilo barrocos, ao neoclássico, com forte presença da art déco e art nouveau. Aliás, o país possui importantes núcleos arquitetônicos e históricos considerados patrimônio da humanidade pela Unesco.
Lá, o povo admira e respeita a bandeira nacional, tem orgulho dos mártires da revolução, como Fidel, Che Guevara, Camilo Cienfuegos e de todos os homens e mulheres que doaram suas vidas pela causa revolucionária. Todos os lutadores da história são reverenciados.
Socialismo democrático segue vivo
Pessoas contaminadas pela ideologia capitalista trombeteada aos quatro ventos pela mídia empresarial caluniam e difamam o socialismo democrático de Cuba, porque sabem que se o povo latino-americano e africano descobrirem as belezas, as verdades, a justiça e a ética do socialismo democrático cubano, o capitalismo, máquina brutal de moer vidas, desabaria como um gigante com pés de barro. Durante sua participação na 32ª Feira do Livro de Havana, o músico Emicida começou dizendo: “muitos nos perguntam ‘por que ir a Cuba?’. Mas a melhor pergunta é: ‘por que não ir a Cuba?’”
Voltei de lá com a certeza de que o império estadunidense está caindo e Cuba continuará sendo uma estrela cintilante apontando o caminho que a humanidade deve trilhar para impedirmos a “queda do céu”, como diria o xamã yanomami Davi Kopenawa, ou o apocalipse, não querido pelo Deus da vida, mas que está sendo causado pela idolatria do mercado que é tocado a todo vapor pelas grandes mineradoras, pelos agronegociantes e o capital especulativo, que não enxergam nada diante dos olhos, além do luxo e do poder que os deixam obcecados.
Enfim, o heróico povo cubano nos faz acreditar que os ideais libertários, a utopia da emancipação da humanidade, da superação da opressão capitalista de exploração humana e da natureza, não só é possível como necessária. Mesmo brutalmente bloqueada e perseguida pelo imperialismo estadunidense, Cuba nos inspira e alimenta esta certeza. Até a vitória, sempre! Venceremos!
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Leonardo Fernandes