A gestão democrática é uma conquista e a sociedade deve avançar na ocupação das institucionalidades
A possibilidade de instaurar novas práticas de planejamento e gestão urbana tornou-se mais factível, desde 2001, com a aprovação do Estatuto das Cidades. A viabilidade de um sistema de gestão democrática, como conselhos, conferências e audiências públicas, previsto no estatuto, e, posteriormente, presente nos planos diretores, veio reforçar essa importância, disseminando certa expectativa positiva com respeito à ideia de planejar e gerir as cidades coletivamente.
Contudo, a institucionalização da participação não pode ser tida como um fim em si. É preciso entender que esses espaços institucionais estão sendo disputados constantemente. O mercado imobiliário, as empreiteiras, as mineradoras, o agronegócio e outros setores do capital já entenderam a força da participação popular e a importância desses canais para aprovar seus projetos ou para dificultar iniciativas contrárias aos seus interesses. Sua presença tem sido cada vez mais frequente nos conselhos e nas conferências, inclusive, metamorfoseadas em organizações da sociedade civil.
Os espaços de participação estão mergulhados em conflitos que bloqueiam avanços sociais, como por exemplo, a ausência de paridade, que dificulta que as organizações populares apresentem e aprovem suas pautas; há reuniões com agendas meramente governamentais que ocultam, ou não pautam as tensões entre reivindicações democráticas da sociedade e os interesses dos setores do capital; e, também, quando pospostas populares são aprovadas, sua execução pelo poder público não é imediata, ao contrário, depende de outras lutas.
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Vejamos alguns casos recentes: o atual plano diretor de Belo Horizonte, aprovado pela Câmara Municipal (CMBH) em 2019, é fruto das diretrizes aprovadas na IV Conferência de Política Urbana, etapa obrigatória para aprovação. Esse plano foi resultado de uma ampla discussão popular, uma grande vitória diante dos representantes dos agentes econômicos, numa mobilização de, pelo menos, cinco anos de pressão popular. Uma das conquistas desta lei foi a inserção da outorga onerosa, que, na forma como foi aprovada, é um instrumento capaz de prover redistribuição de infraestrutura em regiões periféricas e pobres da cidade. Mas, no ano passado, a CMBH alterou o instrumento por pressão de agentes econômicos, que temiam reduzir seus lucros.
Outro caso significativo foi a luta popular contra a mineração ilegal na Serra do Curral, localizada nos municípios de Nova Lima, Sabará e Belo Horizonte. O Conselho Estadual do Patrimônio Cultural que, em 2021, deveria pautar o tombamento da Serra, o que possibilitaria a proibição de minerar a região, ficou quase um ano sem convocação para se reunir, tudo isto para que a discussão não fosse pautada.
Entretanto, não só de desrespeito às decisões das esferas de participação e ausência de reuniões são constituídos os conflitos. Recentemente, o Conselho Municipal de Meio Ambiente de BH aprovou, por 10 votos a 2, o corte de 63 árvores para realização de uma etapa da corrida Stock Car, prevista para agosto deste ano. Além disso, o local da corrida tem sido visto com preocupação devido aos impactos ambientais, pela vizinha UFMG, que comporta, muito próximo, uma Estação Ecológica, biotérios de criação de animais e um hospital veterinário, todos estes sensíveis ao alto ruído que será gerado pela corrida e, como a própria universidade alega, em momento algum houve uma discussão pública sobre o evento.
O que esses casos têm em comum é que a pressão popular precisou mobilizar outras estratégias para fazer valer a lei, seja retornando às ruas com atos públicos e fazendo o corpo a corpo com a população, seja pressionando representantes do legislativo e, por meio do Ministério Público, judicializando processos.
O fato é que a cidade está em constante disputa entre os que querem dela as melhores condições e oportunidades para a vida em sociedade e aqueles que a tratam como um grande negócio. De certo, a gestão democrática é uma conquista, e a sociedade civil deve, permanentemente, refletir e avançar sobre as estratégias de ocupação dessas institucionalidades, mas a participação deve permanecer e se ampliar também nas ruas!
Renato Fontes é professor universitário, Assistente Social e Doutor em Ciências Sociais (PUC Minas), pesquisador do Laboratório de Estudos Urbanos e Metropolitanos (EA/UFMG) e do Núcleo RMBH do Observatório das Metrópoles.
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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Leonardo Fernandes