Março é o mês do aniversário dos APNs, entidade nacional do movimento negro brasileiro que completa 41 anos.
Esse mês constitui, para os APNs e outras entidades que lutam contra o racismo, uma mistura de celebração e denúncia, alegria, tristeza e resistência. Para além do aniversário da entidade no dia 14 de março, nós temos o Dia Internacional das Mulheres, o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial e o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé no dia 21 deste mês.
Os APNs são uma organização forjada e alicerçada na luta contra o racismo, pelos direitos e a cidadania da população afro-brasileira, presente em 16 estados brasileiros e no Distrito Federal, desenvolvendo ações e projetos com crianças, adolescentes, jovens e mulheres. Atuamos com foco na educação, cultura, saúde, geração de renda e segurança alimentar e nutricional. E no monitoramento das políticas públicas, com participação em diversos conselhos de direitos em âmbito municipal, estadual e federal.
Mulheres negras
Quando pensamos no Dia Internacional das Mulheres, não podemos nos esquecer da situação específica das mulheres negras.
É certo que temos motivos para comemorar. A presença de muitas mulheres negras em posição de representatividade merece destaque. Por exemplo, o reconhecimento e a eleição da escritora Conceição Evaristo para a Academia Mineira de Letras; a presença de mulheres negras em mandatos parlamentares, como a vereadora Moara Saboia, as deputadas estaduais Macaé Evaristo e Andréia de Jesus e a deputada federal Dandara Tonantzin.
Temos também mulheres negras se destacando no telejornalismo, na teledramaturgia, bem como em outros espaços sociais. Por outro lado, as estatísticas indicam que as mulheres negras, em geral, continuam sendo a parcela da população com maior vulnerabilidade social.
Dados do ministério da saúde, divulgado no Relatório: Oficina de Morte Materna de Mulheres Negras no Contexto do SUS, de 2023, aponta que as mulheres negras são as que mais morrem por complicações no parto ou no aborto. A incidência de morbidade materna foi de 18,3% para mulheres pretas, de 15,0% para mulheres pardas e de 14,0% para mulheres brancas. As causas predominantes são as síndromes hipertensivas (hipertensão arterial grave e a pré-eclâmpsia grave).
As mulheres negras também representaram 61,1% das vítimas de feminicídios em 2022, segundo dados do Fórum de Segurança Pública.
Racismo
O Racismo continua implacável para a população negra. O e-book Direito de Viver: a realidade da violência contra pessoas negras no Brasil, lançado pelo Fundo Brasil, apresenta dados perturbadores sobre a persistência do racismo estrutural no Brasil. Em 2022, de cada 100 pessoas mortas pela polícia 83 eram negras. Sendo que 76% dessas vítimas eram jovens, tinham entre 12 e 29 anos. As pessoas negras representavam 68,2% da população encarcerada.
Com relação ao racismo religioso, as pessoas praticantes das religiões de matrizes africanas foram as que mais sofrem com a discriminação, o preconceito e a violência. Dados de 2021, produzidos pelo Observatório das Liberdades Religiosas, apontam que 244 casos de intolerância denunciados tinham como vítimas praticantes do candomblé e da umbanda. Um mapeamento que entrevistou 255 comunidades tradicionais de terreiros em todo o Brasil apontou que 48,2% (123 comunidades) sofreram de 1 a 5 episódios de ataques em seus terreiros entre 2021 e 2022.
Esses dados são alarmantes e indicadores do racismo estrutural que afeta nossa população negra. Os casos mais recentes foram o do motoboy negro, Everton Henrique Goandete da Silva, agredido a faca por um homem branco, Sérgio Camargo Kupstaitis, que foi abordado por policiais militares do Rio Grande do Sul como se ele fosse o criminoso.
Outro caso foi o do porteiro negro, Rodinei Antônio Xavier, agredido covardemente por um morador branco (o nome do agressor não foi informado) de um condomínio também em Porto Alegre. Esses fatos, entre outros significados, mostram para nós, pessoas negras, que a brancura ainda representa um privilegio no Brasil.
Festejar é resistir
Em meio a todas as evidências de racismo estrutural persistente, nós, APNs, ainda encontramos motivos para comemorar mais um aniversário. A festa, a alegria e o riso para população negra nunca devem ser entendidos como sinal de ingenuidade, mas como parte de uma resistência histórica.
Festejar, para nós, é uma estratégia para respirar, recompor as emoções e o físico, e continuar lutando contra as injustiças e o racismo.
Viva aos Agentes de Pastorais Negros! Sigamos na luta contra o racismo!
José Antônio Marçal é Agente de Pastoral Negro (APNs); João Carlos Pio de Souza é coordenador estadual dos APNs Minas Gerais e Sarah Santos é da Secretaria Nacional dos APNs Brasil
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Este é um artigo de opinião a visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato
Edição: Elis Almeida