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Pé-de-meia, criminalização do bullying e valorização dos professores

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Sem a garantia de carreiras bem estruturadas não é possível melhorar a educação brasileira

Em janeiro deste ano, o presidente Lula sancionou três importantes leis que se referem à educação. Este texto é resultante de perguntas que me fizeram sobre as duas primeiras, embora eu compreenda que a terceira também mereça uma atenção muito especial.

A primeira das leis sancionadas pelo governo em janeiro de 2024 diz respeito ao programa Pé-de-meia. Trata-se de um auxílio financeiro para estudantes do ensino médio, desde que atendam a determinados critérios, como frequentarem pelo menos 80% das aulas, estarem inscritos em Programas de Sociais via CadÚnico e obterem aprovação escolar. 

O recurso poderá chegar a receber R$ 9.200, somando mensalidades e bônus de mil reais por ano, a serem resgatados ao término do ensino médio, além de um valor extra para a realização do Enem. A Lei 14.818/2024, define que o programa será financiado por meio de um fundo gerenciado pela Caixa Econômica Federal, que tem de início um aporte de R$ 20 bilhões.

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Inicialmente, parece difícil criticar essa medida, afinal, um significativo contingente de estudantes abandona o ensino médio por limitações financeiras. Porém, é preciso considerar que esse auxílio para permanência se faz necessário diante da precarização crescente do mundo do trabalho.

A situação de desagregação atual de direitos trabalhistas, especialmente por medidas tomadas nos governos anteriores, que ampliaram a terceirização e a uberização, afetam profundamente a classe trabalhadora brasileira. As famílias empobrecidas não têm condições de prover os estudos dos filhos. Se os salários fossem justos e as condições de carreira e seguridade garantidas, certamente a necessidade de um suporte dessa natureza seria mínimo. Os empresários seguem explorando os trabalhadores, assim, uma parcela dessa classe está lançada ao reino das incertezas e o Estado tenta amenizar com medidas paliativas.

Considero questionável a explicação da senadora Teresa Leitão (PT), propositora do Pé-de-meia, que afirmou: “essa medida tem o duplo condão de viabilizar a inclusão bancária dos jovens e estimular seu aprendizado sobre gestão financeira, poupança e planejamento”. Ou seja, o real valor do ensino em seu caráter formativo e transformador parece dar lugar a um processo de entrada subalterna na lógica financeirizada neoliberal, tão presente no “Novo Ensino Médio”, fortemente influenciado pelas ideologias empresariais. 

Por esse prisma, o Pé-de-meia parece, conceitualmente, ser parte da geringonça da conformação, inclusive para a permanência dos estudantes em um modelo de ensino que eles mesmos criticam, ao invés de fazer um mecanismo de sustentação para a educação potente e desbravadora de novos horizontes.

Lei do bullying

A segunda lei em discussão, noticiada como “criminalização do bullying”, na realidade, é mais complexa. Primeiro é necessário recordar que bullying e cyberbullying já poderiam ser considerados crimes, mas sem punição definida, que agora passa a ser de multa, em casos menos graves, e de reclusão de dois a quatro anos para os casos de maior gravidade. 

É preciso entender que a Lei 14.811/2024 é mais abrangente, pois alterou o Código Penal, a lei para crimes hediondos e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), endurecendo as punições em relação a diversos crimes contra menores de 18 anos, destacando aqueles ocorridos nos espaços escolares.

Com as novas determinações, a produção, o armazenamento e a divulgação de pornografia infanto-juvenil, assim como o sequestro e o tráfico de menores e o incentivo ao suicídio e às mutilações também passaram a ser considerados crimes hediondos, o que resulta em aumento de pena e perda de acesso a vários benefícios em caso de condenação. O desaparecimento de crianças não comunicado pelos responsáveis também pode ser passível de punição e as escolas devem adotar protocolos. Está prevista ainda a elaboração de uma Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente.

Essa lei tem um caráter importante diante das vulnerabilidades e violências às quais crianças e adolescentes são expostos. Endurecer as punições e ampliar ferramentas de proteção e informação para resguardar o desenvolvimento saudável dos mais novos é sempre louvável.

Entretanto, a forma como a legislação foi divulgada criou uma certa confusão quanto aos casos de bullying e cyberbullying, porque deu a entender que crianças e adolescentes seriam considerados criminosos, afinal, essas formas de agressão normalmente acontecem entre pares. Por isso, é preciso recordar que, de acordo com a Justiça brasileira, crianças e adolescentes cometem atos infracionais e não crimes. 

Outro aspecto que falta na lei são as punições direcionadas às plataformas, especialmente as chamadas big techs, utilizadas constantemente para a violação de direitos. Essas não são objetivamente mencionadas, o que favorece a continuidade da negligência sobre a responsabilidade dessas empresas.

Profissionais valorizados

A terceira lei em reflexão aqui compreende as diretrizes para a valorização dos profissionais da educação básica pública. As determinações da Lei 14.817/2024 incluem planos de carreira decentes, que sirvam de estímulo aos profissionais, como o desenvolvimento de formação continuada e condições de trabalho respeitosas para a boa qualidade da educação. 

Para tanto, são definidos ingressos por meio de titulação ou concurso, reafirmação do piso e teto salarial, gratificações e licenças remuneradas, adequação do número de alunos por turmas, garantia de segurança e recursos didáticos, articulação da proposta pedagógica das escolas com as atividades profissionais, acesso a metodologias e elevação da capacidade de reflexão crítica sobre a realidade educacional e social, entre outras medidas. 

Regulamentação importantíssima, embora não tenha nada de novo. Essa lei parece, na realidade, um compilado do que já é previsto em diferentes leis, normativas e orientações, que continuam a ser ignoradas. Sem a garantia de carreiras bem estruturadas, salários decentes, formação continuada consistente e condições dignas de trabalho, não será possível melhorar notavelmente a educação brasileira. 

Sabemos que esses incentivos elementares para a educação devem vir acompanhados de transformações de ordem social, política, econômica e cultural mais profundas. Cada professor, militante autônomo ou dirigente sindical que atua em defesa da educação brasileira poderá exigir de maneira permanente, que essas condições sejam cumpridas, o que deve vir acompanhado do compromisso irrevogável de dedicação dos educadores com sua tarefa em sociedade.

 

Cleiton Donizete Corrêa Tereza é professor de História nas redes municipal e estadual em Poços de Caldas, especialista em História Contemporânea (PUC Minas), especialista em Planejamento, Implementação e Gestão de Educação a Distância (UFF), mestre e doutor em Ciências Humanas (Diversitas-FFLCH-USP), integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração Escolar (GEPAE-USP), membro do Coletivo Educação de Poços de Caldas e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

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Leia outros artigos na coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal


 

Edição: Elis Almeida