Enfrentando um cerco policial ilegal desde o dia 8 de março, mais de 500 famílias, organizadas pelo Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) resistem na ocupação da fazenda Aroeiras, em Lagoa Santa, município da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Na Justiça, as pessoas que se intitulam proprietárias do terreno tiveram um pedido de reintegração negado, por não conseguir comprovar a posse. Segundo o MST, a área estava abandonada há quase 10 anos e, por isso, foi ocupada, com protagonismo das mulheres do movimento, como parte da Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Sem Terra.
Ocupar é um direito
A Constituição Federal exige que as propriedades de terra cumpram com sua função social, servindo como moradia, mantendo níveis satisfatórios de produtividade, conservando os recursos naturais e estabelecendo relações justas de trabalho entre os proprietários e os cultivadores.
Ao não cumprir com parte ou nenhum desses requisitos, a terra deixa de ser protegida pela lei e cabe ao poder público a desapropriação do terreno. Dessa forma, quando ocupam áreas improdutivas e abandonadas, como a fazenda Aroeiras, os trabalhadores estão, na verdade, zelando pela aplicabilidade da legislação brasileira.
O dirigente nacional do MST Nei Zavaski explica que as ocupações de terra são fundamentais para pressionar o poder público para que sejam destinadas à reforma agrária.
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“A ocupação é o primeiro passo para demonstrar ao poder público onde estão as terras improdutivas e comprovar para a sociedade a mentira de que o agronegócio é altamente produtivo, já que deixa várias terras ociosas para especulação imobiliária”, explica.
“A retomada das ocupações se insere nesse contexto de denúncia da ineficácia do poder público em resolver os problemas dos trabalhadores rurais sem terra”, complementa Zavaski.
Atualmente, em Minas Gerais, existem mais de cinco mil famílias acampadas, à espera do assentamento definitivo. Mais da metade delas estão organizadas no MST.
Fome se combate com reforma agrária
Ao estabelecer acampamentos em terras que antes estavam abandonadas, o MST utiliza as áreas para contribuir no enfrentamento a um dos mais graves problemas estruturais do país: a fome.
Segundo dados da prefeitura, apenas em Belo Horizonte, em junho de 2023, havia 116.543 famílias extremamente pobres e 21.096 pobres, convivendo com a insegurança alimentar.
Nei Zavaski explica que essa realidade não é diferente nos demais municípios da RMBH. Para ele, é uma contradição existirem tantas terras abandonadas, enquanto parte da população não sabe o que vai comer no dia seguinte. Portanto, a ocupação da fazenda Aroeiras também nasce com o objetivo de produzir comida saudável, para alimentar os moradores da região.
“Existe uma relação direta entre a Reforma Agrária e o combate à fome. Boa parte das pessoas que estão em processo de luta por um pedaço de terra, para produzir alimentos, renda e dignidade, são também pessoas que estão em situação de insegurança alimentar, nos grandes centros urbanos”, enfatiza o dirigente do MST.
Poucos recursos
Ao Brasil de Fato MG, a superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Minas Gerais, Neila Batista, destacou que o órgão busca vistoriar a área da fazenda Aroeiras, para verificar a possibilidade de aquisição do terreno para o assentamento das famílias.
Sobre os demais acampados no estado, ela explica que o Incra está fazendo um levantamento de imóveis com dívidas com a União, para que possam ser adquiridos pelo instituto e destinados ao assentamento definitivo das mais de cinco mil famílias.
Porém, Neila Batista relata que a maior dificuldade no processo de avanço da reforma agrária em MG e no Brasil é a falta de recursos.
“A disputa por recursos se dá das mais variadas formas e muitas vezes o orçamento é sequestrado por interesses que não são os da maioria da população. Como consequência, a execução das políticas públicas fica severamente comprometida”, avalia.
“Além disso, houve uma grande desestruturação do Incra nos últimos oito anos, quando o instituto foi perdendo pessoal, porque não houve concursos, setores importantes foram extintos e o orçamento foi cortado”, complementa Neila.
Governador mente e viola direito de ocupantes
Após a ocupação em Lagoa Santa, Romeu Zema (Novo) deu declarações criticando a Justiça pelo indeferimento do pedido de reintegração de posse da fazenda Aroeiras e chamando as famílias ocupantes de “invasoras”.
Em vídeo publicado nas redes sociais, o governador chegou a afirmar que Minas Gerais é um dos estados com menor índice de desemprego do país, ignorando, na avaliação do MST, “que, no estado, 28,3% da população, quase 6 milhões de pessoas, convivem com a preocupação da falta de alimentos”.
O movimento também questiona as orientações do governo à Polícia Militar que, ao cercar a ocupação, está ferindo o direito de ir e vir das famílias e dificultando o acesso de suprimentos básicos para os ocupantes.
“Mesmo com a suspensão da reintegração de posse, a PMMG impede inclusive que nossos advogados, deputados e autoridades entrem aqui. Nós não somos contra a polícia, que tem o papel de nos proteger, mas eles não podem cercear nossa liberdade”, avaliou Tuíra Tule, também da direção nacional do MST.
“O governador não tem política nenhuma para agricultura familiar e camponesa, de combate à fome, e de organização e desenvolvimento da produção, e vem mentir sobre o que estamos fazendo, incitando a violência. Zema é culpado por tudo o que estamos vivendo aqui e é responsável por qualquer ato de violência que aconteça aqui dentro”, complementou Tuíra.
Justiça tenta mediação
Na quarta-feira (13) aconteceu uma audiência de conciliação entre representantes do MST e a família que reivindica a propriedade da fazenda Aroeiras, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
Em nota, divulgada após o encontro, o movimento afirmou que a reunião terminou “sem acordo entre as partes”, já que não houve comprovação de posse por parte de quem a reivindica, e que será agendada uma nova visita técnica da Justiça à ocupação.
“Seguiremos acampados em Lagoa Santa, resistindo, lutando para que o nosso direito de ir e vir seja garantido, e por Reforma Agrária Popular. Pois essa é única opção para que o povo brasileiro tenha comida de qualidade e moradia digna”, destacou o MST.
Edição: Leonardo Fernandes