Das 41 cadeiras da Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, apenas nove são ocupadas por mulheres
Em colaboração com Victoria Taglialegna
Março é um mês emblemático, que tem como centralidade para nós, mulheres, diversas lutas que travamos no dia a dia, em defesa da vida e dos direitos coletivos. Essa data mobiliza debates sobre um projeto popular de vida e sociedade, pautado pela efetivação de políticas públicas sintonizadas com as necessidades, desejos e sonhos das mulheres. Nessa sentido, falar de cuidado, das políticas para quem cuida e para quem precisa de cuidado, é fundamental. Mas como podemos fortalecer e efetivar os direitos das mulheres? Um caminho que nos parece inescapável é ampliar a representação feminina nos espaços institucionais, visando o fortalecimento das lutas coletivas emancipatórias e contra-hegemônicas.
Ao fazermos um resgate histórico, notamos que os movimentos feministas e de mulheres no Brasil, a partir dos anos 1990, trouxeram um novo contorno político para as lutas coletivas, com a ocupação das instituições de poder. Essa mudança permite maior incidência das mulheres sobre decisões que afetam diretamente nossas vidas e sobre medidas que dizem respeito ao funcionamento da sociedade de maneira geral.
O Poder Legislativo, por exemplo, tem vivido transformações relevantes, ainda que tímidas. A Lei nº 9.504/97 instituiu as cotas de gênero nas eleições proporcionais e determinou medidas que visam ampliar a paridade de gênero nos espaços de representação. Passados quase 30 anos, ainda hoje convivemos com o não cumprimento dessa e de outras leis que a seguiram. Neste março de 2024, dois vereadores de Belo Horizonte eleitos pelo Partido Republicano da Ordem Social (Pros) foram cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por fraudarem a cota de gênero nas eleições de 2020. Em agosto de 2023, o tribunal havia cassado o mandato de outro vereador da capital mineira em razão de fraude semelhante, prova de que os casos se acumulam.
A motivação pela ocupação dos espaços institucionais por mulheres tem uma razão concreta e efetiva: carregamos conosco nossos corpos-territórios no fazer política. Ou seja, levamos para os espaços de discussão, deliberação, implementação e avaliação das políticas públicas a experiência de ser mulheres, na sua diversidade. Há, portanto, um aspecto ligado à representação física, que produz o fortalecimento das identidades, do empoderamento e da representatividade. Entretanto, há também algo mais profundo, ligado à chamada representação substantiva, que está ligada ao conteúdo defendido pelas mulheres, aos temas que chamam nossa atenção e mobilizam nossa ação política, e também à forma como realizamos esse trabalho.
Nosso desejo e nossa luta é para que a representação das mulheres no parlamento e em outros espaços de poder, públicos e privados, seja prioritariamente substantiva. Isto é, que as mulheres ali presentes consigam dar vazão às nossas demandas coletivas e defender nossos direitos. Queremos ocupar os espaços para diminuir as desigualdades de representação. Nessa medida, pode-se dizer que a representação substantiva vai além , pois radicaliza o que chamamos de prática política.
Tomando a atual ocupação da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), vemos que das 41 cadeiras, nove são mulheres. No entanto, apenas duas delas, Iza Lourença e Cida Falabella, representam interesses ligados às lutas populares e à defesa da vida das mulheres. Essa é a conclusão que chegamos ao analisar a atuação das vereadoras de BH nas comissões permanentes e temporárias da câmara, bem como a veiculação de pautas e as legislações de suas autorias. Cabe lembrar ainda que de 2020 para cá, quatro vereadoras que haviam sido eleitas, somando ao todo 55.404 votos, com perfil de representação substantiva, deixaram a câmara. Seus cargos, atualmente, são ocupados por seus suplentes, todos homens.
Estamos em um ano eleitoral, com o desafio de propor um projeto transformador para BH. Esse projeto precisa ter a cara das mulheres, na sua diversidade. Nesse sentido, deve ser um projeto inovador, fundado na defesa dos direitos, das pautas e bandeiras históricas do movimento popular, ao mesmo tempo em que deve ser aberto a novos temas e novas formas de fazer política. Podemos chamá-lo de renovação raiz, tomando emprestado a forma das árvores - palavra não coincidentemente feminina - que, como nós, tanto precisam de cuidado e tanto cuidam de nós.
Luiza Dulci é economista e doutora em sociologia. Constrói o Movimento Bem Viver MG e integra a rede de jovens economistas "Desajuste – Economia Fora da Curva".
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Edição: Leonardo Fernandes