O Dia Nacional das Tradições de Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé é celebrado na quinta-feira (21). A data foi sancionada pelo presidente Lula (PT), em 2023, como forma de valorização desses povos.
Para Makota Kidoialê, do Quilombo Manzo, que fica em Belo Horizonte, o dia é um marco na resistência da população negra, porque propicia a reflexão da sociedade sobre as tradições e culturas africanas presentes no Brasil e chama atenção para a necessidade de combater o racismo religioso.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato MG: qual é o significado do 21 de março para os povos de religiões de matriz africana?
Makota Kidoialê: É um dia histórico para a sociedade preta deste país, provocando uma reflexão sobre as tradições de matriz africana e todo o acervo cultural que é preservado dentro de nossos territórios. As pessoas muito criticam, atacam, julgam e ofendem as práticas religiosas da população de matriz africana e dos povos tradicionais porque elas pouco conhecem sobre essas tradições e o que se cultua dentro dos nossos territórios.
As religiões de matriz africana, na verdade, são um acervo de uma memória viva e em movimento de toda a história e de preservação da cultura e das práticas africanas. É o que sobrou da nossa tradição, da nossa memória e do nosso povo.
As religiões de matriz africana são o que sobrou da nossa tradição, da nossa memória e do nosso povo
É a preservação de tudo o que nós trazemos, para além do nosso corpo e da cor da nossa pele, mas também em relação à alimentação, organização, cantos, danças e língua. Tudo isso ainda é muito preservado, muito vivo, e transmitido dentro dos territórios de matriz africana.
Porque é necessário proteger os terreiros das religiões de matriz africana?
Os terreiros são territórios onde se preserva e se reza da forma como nós aprendemos com nossos antepassados e onde mantemos um diálogo firme e presente com nossos ancestrais. O ataque às tradições e territórios de matriz africana é consequência da falta de educação.
Hoje, o Brasil, por exemplo, tem a Lei 10.639, que deveria estar em debate nessa data, já que é um caminho para desconstruir o racismo e contra colonizar toda uma sociedade, principalmente quem governa e gesta essa sociedade.
Aqui está toda a nossa contribuição na construção social, cultural e ambiental desse país
A ação precisa ser contínua e não só no dia 21 de março. Precisamos combater e enfrentar o racismo todos os dias do ano, protegendo e preservando a cultura e as tradições dentro dos terreiros.
Quem ataca o terreiro está atacando sua própria história. Porque é aqui que está toda nossa contribuição na construção social, cultural e ambiental desse país.
Como o racismo religioso se expressa?
O Manzo é um exemplo dos ataques que sofremos. Em 2012, nós recebemos uma ordem de despejo, todas as famílias foram removidas do quilombo para um abrigo público, e o terreiro ficou aqui sem nenhum amparo.
Na medida em que fomos acompanhando o processo de retomada do nosso território, percebemos que estava havendo uma degradação e descaracterização da nossa própria identidade. O Manzo sofreu um ataque, que foi racista.
Vivemos em uma sociedade que se organiza de uma forma que, ao determinar uma ordem de despejo, por exemplo, não se pensa em momento algum nas famílias que sempre se organizaram dentro do território tradicional, a partir das religiões de matriz africana, da tradição que nos educa.
São várias práticas, que não são apenas físicas. O racismo religioso é estrutural.
Na sua avaliação, qual é o papel do Estado para enfrentar esse cenário?
É importante e necessário que o Estado pense e crie políticas públicas de proteção e preservação desses territórios, porque não é só a religião que está inserida nesse espaço, são pessoas que vivem e se organizam a partir dessa cultura, dessa prática, desses cultos.
É preciso um pensar que nos inclua, porque nós vivemos em um país que foi educado a partir do colonialismo e todos os valores foram moldados com base no que veio da Europa. O que veio da África não se pensa, não se inclui, não se reflete.
É necessário chamar a sociedade e garantir aos afrodescendentes espaços de diálogo, debate e promoção de políticas públicas. Isso é urgente!
Além disso, é preciso compreender a nossa ligação com o meio ambiente e a natureza. Nós nos integramos a esses territórios naturais. Nós nos conectamos e essa é a forma que encontramos de reparar o processo racista e violento que foi a escravização.
Edição: Leonardo Fernandes