O dia 24 de março marcou os 48 anos do golpe militar na Argentina, um feriado nacional conhecido como “Dia da Memória, Verdade e Justiça". Todos os anos, milhares de pessoas tomam as ruas para lembrar os 30 mil desaparecidos durante aquele período, embora o atual presidente, Javier Milei, teime em afirmar que foram 4 mil. Desde 2016, os manifestantes percorrem 14 km até a Praça de Maio, onde ocorrem as principais atividades.
Durante o percurso, o protagonismo dos jovens foi marcante. Foram sete horas de cantos e gritos por justiça sem cessar, dando energia necessária para cumprir o trajeto. Em alguns momentos, esbarrei com sobreviventes, netos recuperados da ditadura e muitas micro histórias desse período.
“Temos trinta mil razões para marchar”, disse com convicção a prefeita de Quilmes, cidade na região metropolitana de Buenos Aires, Mayra Mendoza. “No contexto de um governo violento, antidemocrático e negacionista, percebemos que devemos continuar marchando pacificamente, protestando, para mostrar à sociedade que há outro caminho, e que um não envolve a eliminação do outro”, ponderou.
O estudante universitário Manoel Roel, de 27 anos, marchou pelo partido União Cívica Radical (UCR) que, juntamente com outros movimentos estudantis, levaram cerca de 600 jovens às ruas. “Devemos ter mais diálogo e consenso, e acredito que parte dos que votaram em Milei podem tomar consciência de que foram enganados pela promessa de uma mudança para a população”, afirmou.
Quando se fala em punição aos responsáveis por crimes da ditadura militar, a Argentina está à frente de qualquer outro país latino-americano. São 1.210 repressores condenados, após o ex-presidente Néstor Kirchner declarar “insanamente nulas” as leis que impediam os julgamentos. Isso foi em 2004, mas nada ficou parado no tempo e nem restrito apenas aos que protagonizaram esse período sombrio.
Avanços, em meio a retrocessos
Na última semana, um tribunal fez história ao condenar pela primeira vez ex-agentes de segurança por violência sexual contra mulheres transexuais. Isso aconteceu durante um julgamento por crimes contra a humanidade relacionados aos horrores dos centros de detenção clandestinos durante a última ditadura militar na Argentina (1976-1983), especialmente na província de Buenos Aires.
O julgamento começou em outubro de 2020 e lidou com os crimes cometidos em locais como Pozo de Banfield, Pozo de Quilmes e as Brigadas Lanús e San Justo. Esses lugares foram centrais na repressão na província de Buenos Aires, onde mais de 600 pessoas foram vítimas. Dos condenados, dez receberam prisão perpétua.
Durante os últimos meses do governo atual foi registrado um aumento das ameaças contra pessoas envolvidas nos julgamentos, incluindo vítimas, associações e advogados. Em 5 de março, uma integrante do grupo H.I.J.O.S. foi alvo de um ataque em sua própria casa. Dois homens a espancaram, ameaçaram de morte, a amarraram, amordaçaram e vendaram seus olhos, deixando claro que o motivo era seu engajamento político. Antes de saírem, escreveram na parede de seu quarto "VLLC" (Viva a liberdade), slogan associado a Javier Milei.
A vítima denunciou o ataque à polícia no dia seguinte. A história foi compartilhada publicamente pela rede H.I.J.O.S., protegendo a identidade da vítima, e gerou comoção em várias associações de direitos humanos, partidos políticos e grupos de militância.
Apesar das ameaças, a juventude não tem a intenção de desistir. Ao contrário, pretendem continuar a fazer da Argentina um exemplo de busca por verdade e justiça, pela memória daqueles que sofreram com as ditaduras militares na América Latina.
Karla Scarmigliat é jornalista e colaboradora do Brasil de Fato MG
--
Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Leonardo Fernandes