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Artigo | Religiões, poderes e privilégios na história do Brasil

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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) junto com o pastor Silas Malafaia - Foto: Marcos Corrêa/PR
No período colonial a Igreja estava inserida no aparelho de Estado

Quando os líderes religiosos fazem da religião um meio para obter poder, riqueza e prestígio pessoal, a fé deixa de ser uma forma de conhecimento transcendental, divino, sublime e se reveste em ideologia.

Ideologia é uma fé ou uma crença sem Deus e sem sacralidade. Ambas as formas de crer têm garantia na Constituição. E os governantes brasileiros, sem exceção, nunca faltaram com esse dever.

Todo postulado religioso é estabelecido como verdade incontestável aos fieis ou seguidores. Padres e pastores são os donos da verdade e dos dogmas. E é ai que reside o poder que adquirem. Foi nessa situação de dono da verdade que o místico Antônio Conselheiro (1830-1897) ocupou o arraial de Canudos e entrou em guerra contra o governo brasileiro.
 

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Nos períodos colonial e monárquico, a Igreja estava inserida no aparelho de Estado, em um sistema chamado de padroado, no qual os clérigos faziam parte do poder. Os padres tinham status de coronéis donos de vastas fazendas. Aproveitando-se de tal poder, muitos padres tiveram filhos bastardos, sem amparar as mães solteiras.

Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”, narra bem essa situação. A mãe de Bento Santiago (Bentinho) fez promessa de que seu segundo filho fosse ordenar-se padre. A promessa era só um pretexto porque no fundo, ela queria era mais status tendo um padre na família. Mas Bentinho não tinha vocação e, além disso, mantinha namoro com Capitu desde adolescente. Saiu do seminário e casou-se com Capitu, com a qual teve um filho. Contudo, Bentinho era um homem infeliz por ter contrariado à mãe e, também, por desconfiar da fidelidade de Capitu.

Mas veio a República e a Constituição (1891) declarou o Estado laico, sem associação a qualquer religião. Padres e pastores ficaram subordinados às leis.

Essa Constituição coincide com a Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII (das coisas novas) que orienta leigos e clérigos no sentido da social democracia; condena a escravidão e privilégios dos capitalistas. Além disso, a encíclica ia na contramão ao protestantismo que sustentava as ideologias capitalistas.

Contudo, ao longo do tempo, as igrejas e instituições religiosas obtiveram excelentes meios de comunicação e, com isso, especialmente as igrejas evangélicas, impulsionaram o aumento de representantes nos poderes Legislativo e Judiciário. Agora, valendo-se do poder que têm, pastores evangélicos querem o privilégio de isenção de tributos em seus negócios e rendas.

Criticar e reagir

É aí que temos o dever e a obrigação de criticar, reagir e protestar contra que esse segmento da sociedade adquira mais privilégio que já tem. As igrejas e as associações religiosas, que prestam assistência social, já são isentas de tributos federais, estaduais e municipais. Mas os religiosos, que podem se enriquecer e ter propriedades em seus nomes, não são isentos.

No governo Bolsonaro (2019-2022) houve um aumento considerável nos privilégios de militares e religiosos, cobertos pelas bancadas temáticas da bala e dos evangélicos. O descalabro do orçamento secreto foi para comprar apoio de parlamentares, uma das maiores imoralidades na história da República.

Há uma contradição latente em tudo isso: militares e evangélicos pregam a moralidade comportamental dos cidadãos, mas praticam a imoralidade da malversação do tesouro público.


Antônio de Paiva Moura é professor de História, aposentado da UEMG e UNI-BH. Mestre em História pela PUC-RS

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Leia outros artigos de Antônio de Paiva Moura em sua coluna no Brasil de Fato MG

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Este é um artigo de opinião, a visão do autor não necessariamente representa a linha editorial do jornal.

Edição: Elis Almeida