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Lembrar para não repetir | Ditadura nunca mais!

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O direito à memória, verdade, justiça e reparação não se negocia

Causou perplexidade e indignação entre ativistas e organizações de defesa dos direitos humanos, da memória, verdade, justiça e reparação, a decisão do presidente Lula de não lembrar, oficialmente, os 60 anos do golpe de 1964 e a ditadura civil-militar que dele decorreu. Não há justificativa para o injustificável! Não lembrar oficialmente o golpe de 1964 e as atrocidades da ditadura civil-militar que assolou o país por 21 anos é pactuar com os crimes por ela cometidos e criar condições para que tudo se repita.

Não será fazendo tábula rasa do passado de morte e violência que evitaremos outros atentados ao Estado Democrático de Direito, à memória dos que morreram na luta e às vidas das pessoas que continuam a lutar. Não lembrar, e não punir, pelo golpe e pela ditadura, é jogar água no moinho da impunidade pelo 8 de janeiro de 2023, e é, mais uma vez, abaixar a cabeça para os militares e seus cúmplices civis.

O direito à memória, verdade, justiça e reparação não se negocia, ou pelo menos não deveria, nos balcões do comércio de facilidades e espertezas políticas que se tornou a República. Deveria ser parte inalienável de um governo que se quer justo e  solidário não apenas com as vítimas diretas da ditadura, mas também que tenha a mínima consciência de que a democracia não pode ser construída, ou garantida, por meio da impunidade dos algozes e sobre os ossos de suas vítimas.

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A ditadura que assolou o país não é algo que ficou no passado e que, portanto, deveria ser esquecida. Sua herança é  tão nefasta e abrangente que nos atinge a todes. Não podemos nos esquecer, hoje e sempre, de que a ditadura, com sua cultura autoritária e violenta, chegou a todos os territórios deste país e nenhuma instituição ou pessoa ficou a salvo dela. Isso nos impõe, como cidadãos e cidadãs, mas também como Estado Nacional e instituições democráticas, a tarefa de fazer um inventário de nossos aprendizados e dos espaços e tempos educativos que nos constituíram, individual e societariamente,  ao longo daqueles tenebrosos tempos. Se não o fizermos, corremos o risco, não apenas de mantermos uma relação ingênua com nosso próprio passado,  mas também, o que é pior, de não indagarmos sobre como esse passado nos afeta e a todas as pessoas que caminham conosco.

Na decisão do presidente, não há ingenuidade nenhuma, todes sabemos. O que há é, a pretexto de garantir a governabilidade atual, é um nefasto servilismo aos militares e a todo o empresariado e às demais forças políticas que, tendo apoiado o golpe e a ditadura, receberam dela todas as benesses possíveis. E tais benesses não cessaram, infelizmente, com a entrega controlada do governo aos civis.

Estão de parabéns os movimentos e organizações populares pela cobrança pública ao presidente Lula a respeito da inexplicável decisão de jogar na sombra o 31 de março e tudo que a ele se seguiu. Por isso, temos que nos manifestar também, e em todos os territórios. Isso não substitui, é evidente, a ação oficial do Estado brasileiro, hoje comandado por Lula da Silva, mas é parte do nosso compromisso inalienável com a democracia, com a justiça e os direitos humanos. Temos que cobrar do Estado, de Lula e devemos nos indignar individual e coletivamente. Uma indignação altiva e não violenta, mas nem por isso menos intransigente em defesa do direito à memória, à verdade, à justiça e à reparação. Sem a garantia disso, não há garantia alguma para a própria democracia.


 

Luciano Mendes de Faria Filho é pedagogo e doutor em Educação e professor titular da UFMG. Publicou, dentre outros, “Uma brasiliana para a América Hispânica – a editora Fondo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira” (Paco Editorial, 2021)

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Leonardo Fernandes