Depois da ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Lagoa Santa, lideranças políticas da cidade, que fica na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), apontam para o crescimento de uma esquerda unificada na região.
As 500 famílias que ocuparam a fazenda Aroeiras, no dia 8 de março, motivaram pessoas interessadas no movimento a prestar apoio, por exemplo, com doação de alimentos, roupas e apresentações culturais. Para organizar esse fluxo, um grupo no Whatsapp foi criado e, mesmo com a desocupação do terreno após negociação entre o MST e o Incra, permanece ativo, alimentando ideais progressistas dos moradores.
“Para se ter uma idéia, entre médicos, psicólogos, pessoal da saúde, engenheiros etc, a rede rapidamente cresceu como um grupo de solidariedade”, destaca Samuel Costa Neto, secretário de mobilização popular da executiva do PT na cidade.
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Para Marcelo Monteiro (Sem partido), vereador do município, essa é a maior coalizão de esquerda da história da cidade. Atualmente, mais de 120 pessoas estão organizadas online, no grupo “Esquerda Progressista Formação de Base”, e com encontros presenciais agendados.
“Esse é o grupo que está organizando a discussão da esquerda, para que nós possamos de forma organizada participar dos momentos de decisão popular e propor uma alternativa ao projeto de Lagoa Santa vigente, que é claramente baseado e voltado para a especulação imobiliária. Nós temos hoje uma esquerda organizada, viva, que se encontra na rua, se reconhece mais do que nunca e que tem muita vontade de propor uma cidade mais socialmente justa”, pontua Marcelo.
É o que também analisa Mariana Pimenta, presidente da comissão provisória do PCdoB em Lagoa Santa e liderança da coletiva feminista As Luzias. Segundo ela, é urgente debater pautas unitárias, com olhar atento às desigualdades.
“É uma cidade muito desigual, que tem pessoas muito ricas morando em condomínios e pessoas pobres nos lugares mais distantes, em bairros com menos acesso a serviços públicos e até ao comércio”, pondera.
Unidade e diversidade
Marcelo Monteiro avalia que o município estava carente de uma esquerda politizada, embora esses ideais sempre estivessem vivos na região.
“O efeito MST desvinculou a esquerda das amarras de silenciamento e autoflagelo e faz com que as pessoas de esquerda que estão na frente solidária de apoio à ocupação passem a se encontrar nos movimentos progressistas”, enfatiza.
Para Mariana, se antes alguns grupos se reuniam em torno de pautas específicas, hoje esse movimento aglutina e se diversifica em torno de um projeto de cidade em comum.
“Pela primeira vez a gente está vendo esse encontro acontecer, com pessoas que estão em diferentes grupos e que tem esse pensamento progressista. A população está se juntando para pensar novas possibilidades”, avalia.
O que tem sido discutido?
Entre as principais pautas em discussão, de acordo com Samuel Costa Neto, estão melhorias na saúde, como a do único hospital da cidade, a Santa Casa, além do fortalecimento da saúde da mulher, saúde mental e a jornada de luta dos médicos sem plano de carreira ou ausência de concurso.
Marcelo Monteiro chama a atenção para um desafio “visceral e patológico”, que é a má qualidade e quase inexistência de transporte público decente na cidade.
Já Mariana pontua, ainda, a falta de vagas nas creches na cidade e a supressão de árvores para especulação imobiliária, o que ocasiona problemas graves ao meio ambiente.
“As pessoas gostam de falar que Lagoa Santa é uma cidade charmosa, gostosa de se viver e eu acho que isso tem muito a ver com o que a gente ainda tem preservado em relação ao meio ambiente”, observa a dirigente do PCdoB.
Há ainda um forte debate sobre o enfrentamento à violência contra a mulher, algo que é um desafio notório na cidade, de acordo com Mariana. Segundo ela, em virtude do contexto militar no qual o município foi construído, com forte presença da aeronáutica, se acentua uma herança patriarcal no cotidiano.
“O assédio é muito grande, a violência sexual é muito alta, a exploração de crianças e adolescentes também. A gente tem realmente essa parte muito triste da cidade. Então o nosso movimento feminista se reúne com essa intenção de enfrentamento à violência e a gente trabalha principalmente dentro das políticas públicas”, realça.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos