Minas Gerais

Coluna

Políticas habitacionais e de segurança pública nas periferias das cidades brasileiras

Imagem - Agência Brasil
A produção estatal e formalização de mercados podem acabar apropriados pelas organizações criminosas

A questão da moradia é um dos temas mais fundamentais para pensar o futuro das cidades brasileiras. Essa pauta esteve sempre em alta, e mesmo com esforços da União, dos estados e municípios, está longe de ser superada. A última pesquisa da Fundação João Pinheiro aponta que o Brasil tinha um déficit habitacional de 5,876 milhões de moradias em 2019, ou seja, antes da pandemia de covid-19, que certamente agravou ainda mais a situação habitacional brasileira.

Frequentemente, as políticas habitacionais são pensadas e aplicadas sem a devida atenção para a questão da segurança pública. Já sabemos que territórios informais da cidade tendem a conviver com práticas criminosas, afinal, representam oportunidades de geração de renda e organização, em lugares carentes de outras alternativas. Essas atividades não estão descoladas das dinâmicas imobiliárias locais.

A atuação do crime nas dinâmicas dos mercados de terra informais está sendo agora levantada por um conjunto de pesquisas, confirmando a hipótese de imbricamento das atividades ilícitas com mercados fundiários informais e formais. Em muitas situações, são essas organizações que abrem novos espaços para o mercado fundiário com o loteamento, regulam os mercados e, inclusive, produzem as habitações.

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À primeira vista, poderíamos supor que a produção de moradias pelas políticas habitacionais do Estado ou as regularizações fundiárias resultariam na redução do poder das facções sobre as formas de morar das classes populares nos territórios informais brasileiros. Contudo, o que se observa é o contrário disso. A produção estatal e a formalização dos mercados podem muito bem serem apropriadas pelas organizações criminosas.

Regularmente, as políticas habitacionais olham apenas para a parte quantitativa do problema, ignorando as relações estabelecidas nos territórios periféricos, que são eventualmente atravessadas por essas práticas. Não é nenhuma surpresa que esses grupos criminosos incidam nos produtos das políticas habitacionais e de regularização, afinal movimentam um volume de dinheiro enorme, criam legitimidade territorial e possuem o recurso da coerção violenta.

Muitas vezes, os recursos obtidos pela atuação imobiliária são rapidamente revertidos em financiamento de ações criminosas. Geralmente, esses grupos se apropriam do mercado de terras, pois os ganhos são rápidos e relativamente seguros. Afinal, a pressão por moradia nos mercados imobiliários periféricos é enorme.

A entrada de agentes criminosos no mercado imobiliário periférico ocorre por pelo menos duas vias: eles podem se valer da legitimidade social construída e atuarem como receptores de lotes e imóveis, ou então, o que é mais comum, recorrem à violência, isto é, a desapropriação violenta de lotes e imóveis.

Vale destacar que não há saída mágica para essa situação. Um país profundamente desigual produz jovens dispostos a entrarem no mundo do crime porque as atividades ilícitas são formas de acessarem os recursos que de outra maneira não conseguiriam acessar. A repressão violenta, forma mais comum de presença do Estado nesse contexto, não acabará com as operações ilícitas. Pelo contrário, irão aumentar. 

A ausência de regulação pública das economias ilícitas e do mercado imobiliário informal garantem a perpetuação desse problema. Seguir o curso dessa forma de viver nas periferias da cidade não poderá significar outra coisa senão violência e ausência de contrapartidas sociais. Assim, tende-se a ampliar as desigualdades que não facilitarão em nada a solução do problema.

 

 

Thiago Canettieri é professor do departamento de urbanismo da UFMG e pesquisador do Núcleo RMBH do Observatório das Metrópoles. 

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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

Edição: Leonardo Fernandes