Mais uma vez, Minas Gerais é o estado com o maior número de denúncias de trabalho análogo à escravidão do país. Conhecida como “lista suja do trabalho escravo”, a atualização do levantamento feito periodicamente pelo governo federal foi publicada na última semana.
Em todo o território mineiro, foram denunciados 151 empregadores que submetem trabalhadores a situações de privação de direitos e desumanas. O dado representa quase o dobro do índice registrado em São Paulo. No Brasil, são 654 casos, número considerado recorde.
O velho tem sido travestido de ‘novo’ em Minas
O cultivo de café, o trabalho doméstico, a produção de carvão, a construção civil e a criação de bovinos são algumas das atividades com maior quantidade de condenações.
Motivos
José Luiz Quadros, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Minas), avalia que a persistência dessa prática é fruto de fatores históricos e ideológicos, intensificados na atual conjuntura política do estado.
“Há um aumento da constante crítica ao direito do trabalho, ao Estado social, e à proteção ao trabalho, que ocorre sistematicamente por parte de falsos ‘liberais’ que, no caso do nosso estado, se instalaram no governo. A defesa de uma falsa ‘liberdade’ contra um Estado que deve fiscalizar e proteger o trabalho, por mandamento constitucional, é um desserviço para a sociedade”, avalia o pesquisador.
“O velho tem sido travestido de ‘novo’ em Minas, e o desmonte do Estado social só aumenta a exploração e a desigualdade, normalizando barbáries como o trabalho escravo, em nome da produção e ‘geração de riqueza’”, complementa.
Crime
A Constituição Federal determina que é crime submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão. No artigo 149, o Código Penal Brasileiro caracteriza a prática como “submissão de alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou seu preposto”.
A maioria das ocorrências está principalmente no meio rural, em fazendas e propriedades associadas ao agronegócio. Porém, o trabalho escravo urbano também é realidade.
Em Minas Gerais, a maior parte dos casos está concentrada em municípios com maior vulnerabilidade social e econômica. É o que explica a professora e coordenadora da clínica de trabalho escravo e tráfico de pessoas da UFMG Lívia Miraglia.
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“Essa realidade se explica principalmente pela pobreza, miséria, falta de perspectiva, falta de esperança e ausência de políticas públicas”, comenta a pesquisadora.
“Quando a gente analisa os dados, a imensa maioria das vítimas de trabalho análogo à escravidão são migrantes de estados e municípios de Minas Gerais que têm em comum o baixo índice de desenvolvimento humano”, complementa.
Aumento da fiscalização
Outro fator que ajuda a explicar o maior número de empregadores condenados é o aumento da fiscalização no estado. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MPT), em Minas Gerais, foram 117 ações de resgate, a partir da fiscalização de 598 estabelecimentos, apenas em 2023. Ao todo, foram 3.190 trabalhadores resgatados.
“O fato é que a persistência de Minas Gerais na posição de liderança em trabalho escravo nos envergonha, embora precisemos reconhecer o trabalho da fiscalização”, avalia José Luiz Quadros.
Edição: Leonardo Fernandes