Minas Gerais

Coluna

O desastre da privatização da água em Ipatinga

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Imagem - Prefeitura de Ipatinga
Edital exclui população rural e não exige redução da tarifa

O atual processo de privatização do saneamento público em Ipatinga (MG) possui falhas estruturais e desastrosas. Antes mesmo do edital ter sido publicado, ainda na fase de consulta pública, na minuta do edital é exposto como sintomas: a desigualdade, a exclusão, a segregação e o atraso de um processo que irá prejudicar (e muito) a população.

Começando do óbvio - empresas privadas de saneamento, buscam como objeto primário, não o atendimento à população e sim, única e exclusivamente o lucro.

Tratar água como mercadoria, neste caso, pressupõe, portanto, que não há ser humano, e sim, clientes. E neste caso, este agressivo processo exclui “clientes não desejados”. Na redação da minuta segregam a população rural, que em Ipatinga é de aproximadamente 2.500 pessoas.

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Seja por razões jurídicas, políticas ou comerciais ou seja por falta de expertise técnica das empresas privadas de saneamento, pessoas que deveriam ser alvo preferencial de políticas públicas podem não ser atendidas devido a descrição da área de abrangência do serviço.

O atropelamento segue: na minuta do edital, assim como em Patos de Minas (MG), é previsto a opção automática da não prestação direta, desconsiderando outras formas de se pensar a municipalização do saneamento. Sendo que a prática da municipalização é uma tendência mundial, verificada em  835 cidades, entre 2000 e 2015.

A ausência de debate evidencia que a administração pública está imersa em má gestão, ao não exaurir adequadamente discussões tão sérias como água, saúde e saneamento.

Falta de critérios comparativos, ausência de estudos específicos sobre tendências locais, regionais, nacionais ou globais e simplória análise econômica são frequentes no Brasil. Com isso, não avançamos na eficiência da gestão e na promoção de direitos sociais.

Além da falta de discussão sobre a opção pela prestação direta do serviço no Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) também há a ausência de pareceres no próprio órgão municipal responsável por cuidar do processo, o Conselho Municipal de Saneamento Básico. Há atropelo e silenciamento das instituições da própria administração municipal.

População desinformada

Há também a busca por manter a população na ignorância, afinal, não ficou evidenciado o lobby da iniciativa privada.

Mas por que o silenciamento da população, e seu afastamento das discussões sobre alternativas mais modernas e integrativas sobre a prestação do saneamento em Ipatinga?

Talvez porque o agressivo lobby privado tenha convencido os gestores sobre o quão acertado é a mercantilização da água. Opção que vai fazer com que o acesso a água custe mais caro do que é atualmente. No edital não há nada que assegure a redução das tarifas no médio prazo e menos ainda no longo prazo. As evidências disso estão nos próprios municípios onde ocorreu a privatização.

Se água é mercadoria, como bem quer a ideia de tal edital, ou melhor, se água vira negócio, para empresas privadas, só irá ficar viável o “investimento” se o retorno for lucrativo, e quem paga por isso?

Cada conta de cada consumidor, ou seja, o alto lucro das empresas privadas será garantido pela população de Ipatinga. Quem mais vai pagar é a população negra e mais pobre, já marginalizada por viver em áreas periféricas onde as empresas privadas, assim como na região rural, não têm “tanto interesse”.

Prometem resolver “a qualidade do serviço”. É mentira. Alegam que a Copasa não presta um bom serviço, mas é falso, essa afirmação não encontra nenhuma evidência estatística, formal ou mesmo nos órgãos de proteção do consumidor, como o Procon.

Ou seja, não há sequer garantia que não piorará. Aliás, a BRK Ambiental em Alagoas e a ENEL em São Paulo são só dois exemplos, do quão fracassado e desastroso é o processo de privatização para a qualidade e disponibilidade nos serviços de água e energia. O edital coloca como critério para seleção da empresa que esta atenda uma população que é a metade da população de Ipatinga.

Outros gravíssimos problemas no desastroso processo de privatização do saneamento de Ipatinga também são: ausência de critérios de atendimento ou prospecção sobre questões de impactos ambientais visando a observação e proteção a povos originários do Vale do Aço; garantia de melhorias para o saneamento por quem presta o serviço de saneamento; ausência de proteção aos trabalhadores para que não tenham salários menores e sejam terceirizados, prejudicando a prestação do saneamento pela alta rotatividade e baixa especialização.

Na conclusão, fica a certeza de que o atual processo de privatização do saneamento foi formalmente questionado sobre aspectos técnicos, políticos, jurídicos, econômicos, sociológicos e humanitários.

Se bem sucedido o processo de privatização, será bem sucedido apenas para a empresa privada que ganhar o processo. Prestando um serviço mais caro do que o atual, mais excludente e que potencialmente trará prejuízo a toda a população de Ipatinga, em especial, os mais pobres e mais vulneráveis.


Lucas Tonaco é secretário de Comunicação da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) e dirigente do Sindágua-MG

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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida