A Vale anunciou recentemente que irá comprar as ações da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) na Aliança Energia. Com a movimentação, a mineradora passará a deter 100% do capital de uma das principais empresas geradoras do setor energético do Brasil.
A compra foi fechada por R$ 2,7 bilhões. Somente em 2023, a Aliança registrou receita de R$1,3 bilhão e lucro líquido de R$356 milhões.
O eletricitário Jefferson Leandro Teixeira destaca que a venda das ações da Cemig na empresa é preocupante e tem o objetivo de maximizar os lucros e aumentar o poder econômico da Vale, em detrimento dos interesses da população.
“É a mudança da lógica da gestão estatal para a priorização dos interesses privados de acumulação de capital, tendo como consequência a precarização e o sucateamento dos ativos do setor elétrico”, explica.
Atualmente, a Aliança possui sete usinas hidrelétricas em MG, dois parques eólicos no Rio Grande Norte e um em fase de implementação no Ceará.
Setor elétrico é estratégico
A história do setor elétrico no Brasil demonstra que ele surge com caráter estatal, devido à ausência de interesse privado em investir na área, que exige altos investimentos e longo prazo de maturação.
Atualmente, as empresas de geração e distribuição de energia são consideradas estratégicas por atuarem em um serviço essencial à população, pela alta lucratividade e pelo papel que cumprem na sustentabilidade produtiva do país.
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A economista Isabella Mendes explica que, diante desse contexto, é perigosa a movimentação que dará à Vale todo o poder sobre a Aliança Energia.
“A energia elétrica é um bem essencial a qualquer atividade econômica. Então, se tem um agente privado que controla grandes segmentos do setor elétrico, existe o risco de ter o destino das atividades produtivas nas mãos de um único agente”, comenta.
“Ou seja, tem um problema do ponto de vista econômico, que é a apropriação privada sem assumir os investimentos que foram feitos por toda a sociedade, com recursos públicos, ao longo de décadas. E, também tem um do ponto de vista da segurança do sistema, porque quando ele é privado, nós temos mais dificuldade de controlá-lo, regulá-lo e de garantir que não haja problemas de fornecimento de energia elétrica”, complementa Isabella.
Projeto privatista de Romeu Zema
Jefferson Leandro Teixeira, que também é dirigente do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro/MG), argumenta que a movimentação reforça o projeto do governo de Minas, sob gestão de Romeu Zema (Novo), que, desde 2019, articula estratégias para vender a estatal mineira responsável por levar energia para consumidores de 774 municípios do estado.
“A transferência dessas ações vem reafirmar o projeto privatista do governo Zema, que privilegia o privado, em detrimento das condições e da qualidade da geração de energia elétrica para a população de Minas Gerais e até mesmo do Brasil, uma vez que o sistema elétrico brasileiro é interligado”, complementa Jefferson.
Desvalorizar para comprar mais barato?
Thiago Alves da Silva, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), enfatiza que a venda das ações representa a entrega do patrimônio público, uma vez que as sete usinas foram construídas com a participação da Cemig.
Além disso, ele destaca que parte das usinas que agora será da Vale está na região da bacia do Rio Doce, onde uma das barragens da mineradora rompeu em 2015.
“Das sete usinas vendidas, duas estão na bacia do Rio Doce, a barragem de Candonga e a barragem de Aimorés. As duas guardam rejeitos rejeitos do crime da Samarco, da Vale e da BHP. Agora, a Vale, além de ter destruído toda a bacia e se negar sistematicamente a pagar os direitos dos atingidos, será a dona das barragens que ela ajudou a depreciar, porque o crime deixou essas barragens mais baratas para a própria Vale comprar da Cemig”, denuncia Thiago.
“Isso é algo muito grave, a empresa usando o crime que ela praticou para avançar na privatização, dando o preço que ela quer pagar. É muito importante denunciar essa situação”, finaliza o dirigente do MAB.
O outro lado
A reportagem procurou a Vale e o governo de Minas para comentarem sobre as denúncias. Em nota, a mineradora afirmou que “utiliza aproximadamente 65% da energia gerada pela Aliança” e que o movimento feito pelas empresas é “natural para ambas”. Além disso, a Vale diz que pretende utilizar a Aliança “para iniciativas de descarbonização de suas operações”.
O governo não respondeu até o fechamento desta matéria.
Edição: Leonardo Fernandes