Em Belo Horizonte, o projeto “Canto da Rua”, organizado pela Pastoral Nacional do Povo da Rua, oferece acolhimento, oficinas, atividades culturais e capacitação profissional para a população em situação de rua.
A iniciativa teve início durante a pandemia da covid-19 e, atualmente, tem uma nova sede, no bairro Santa Inês, que fica na região Leste da capital mineira. O espaço recebe pessoas de todas as regiões da cidade, articuladas pela pastoral.
Ainda em processo de reforma, a sede do “Canto da Rua” terá capacidade para atender até 200 pessoas por dia. Enquanto isso, o projeto tem recebido entre 20 e 50 pessoas por atividade, a depender do caráter.
“Temos o propósito de atuar junto às pessoas em situação de rua, em vista da superação da condição de vulnerabilidade. A ideia é ser também uma referência para políticas públicas, enquanto um projeto intersetorial que, para além da assistência, articula também a questão da moradia, a geração de renda, a cultura e a educação”, explica Claudenice Rodrigues Lopes, integrante da pastoral.
“Temos desenvolvido aqui várias ações de ressocialização e mobilização, como oficinas de capacitação para o trabalho, na área da gastronomia, por exemplo. Também vamos iniciar em maio oficinas voltadas para a cultura, o esporte e o lazer”, complementa.
Um estudo da prefeitura, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), indicou que, até o início do ano passado, mais de 5 mil pessoas estavam em situação de rua no município.
Outra pesquisa, do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, indicou que a capital mineira possui 13 mil moradores residindo em locais precários, dormindo em calçadas e vias públicas ou sem condições básicas.
Construção de vínculos
O assistente social José Adilson é responsável por ajudar a organizar a oficina de horta, que acontece todas as quintas-feiras no espaço. Ele conta que, além da possibilidade de se apropriar da técnica, a atividade é uma oportunidade de construção de vínculos.
“Algumas pessoas já tiveram contato com a agroecologia no passado. O que eu percebo é que eles também acabam criando vínculos. Quando você está ali mexendo com as plantas, você acaba conversando com a outra pessoa, descobre um pouco mais sobre a história de vida de cada um”, explica José Adilson.
Histórias
Antônio Pereira da Silva, de 48 anos, é um dos frequentadores da oficina de horta. Nascido em Peçanha, município do interior de Minas Gerais, ele conta que morava na roça e veio para a capital mineira com a expectativa de encontrar emprego. Sem conseguir alcançar o objetivo, ele acabou indo morar nas ruas e foi acolhido pela pastoral.
“Eu comecei a participar das rodas de conversa e foi quando eu conheci o ‘Canto da Rua’. Para mim, foi maravilhoso. Essa acolhida me trouxe novamente a possibilidade de trabalhar com a terra, que eu sempre gostei. E é muito lindo ver o que já plantamos aqui”, conta.
Perspectivas
Com 34 anos de trajetória nas ruas, Gilvan Santos comenta que, durante a pandemia, o “Canto da Rua” ofereceu dignidade e acesso a direitos para a população atendida. Com a nova sede, a perspectiva é intensificar as ações.
“Esse trabalho é de grande valia, ter um espaço com possibilidade de atendimento psicológico, de denúncias de violações, com banheiro para tomar banho, um lugar para cortar o cabelo etc. Nós merecemos. São tantos anos vivendo nas ruas, sem amparo”, enfatiza Gilvan.
Edson Franco, do Movimento Nacional da População em Situação de Rua e participante ativo na construção do projeto “Canto da Rua” desde o seu início, destaca que a experiência do trabalho desenvolvido durante a pandemia foi importante, mas que era preciso construir algo permanente.
“Refletimos ‘por que não fazer isso de forma perene?’. Aqui queremos extrapolar o caráter emergencial. A ideia é que a população de rua tenha cursos, teatro, música e lazer, para que as pessoas que vivem na rua tenham uma segunda chance”, conta.
“Eu sou um exemplo de que podemos dar certo. Morei nas ruas por muitos anos, cheguei até a pastoral totalmente destruído, sem nenhuma perspectiva de vida, fui convidado a participar e estou há 15 anos nessa luta”, finaliza Edson.
Edição: Leonardo Fernandes