Minas Gerais

Coluna

O que o CadÚnico pode nos dizer sobre o déficit habitacional?

Imagem - Iago Ávila Soares
É preciso entender ‘quem’ e ‘onde’ está o público-alvo das políticas habitacionais

No início deste mês, o governo federal anunciou novas unidades do recente Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) nas modalidades Rural e Entidades. Na ocasião, o Ministro das Cidades, Jader Filho (MDB), apontou o esforço para entregar moradias conforme as demandas dos grupos atendidos, com foco nos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, e priorização de grupos vulneráveis. 

O MCMV, criado em 2009 e retomado em 2023, é o foco da política habitacional do país para o enfrentamento do déficit, e uma das principais críticas à primeira versão do programa é a padronização das moradias entregues. Um indício de como o déficit habitacional tende a ser encarado como um valor objetivo, traduzido pelo teto, distante da diversidade de famílias e modos de vida.

As análises em torno do déficit habitacional são de fundamental importância para orientar as políticas de moradia, e a compreensão das necessidades próprias de cada grupo beneficiado envolve a interpretação do déficit para além do número. Para tanto, é necessário caracterizar este déficit, isto é, entender não somente o “quanto”, mas também “quem” e “onde” está o público-alvo das políticas habitacionais. Isso exige o tratamento de dados que permitam alcançar particularidades locais. E o CadÚnico é uma fonte importante dessas informações.

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Trata-se de uma base de identificação e caracterização socioeconômica das famílias de baixa renda no país que, segundo a Fundação João Pinheiro, são as mais afetadas pelo déficit habitacional. O CadÚnico é o meio de acesso aos programas sociais do governo federal e, por essa razão, tende a estar sempre atualizado. O formulário de cadastro abrange diversas temáticas da vida da família como composição familiar, caracterização das pessoas, escolaridade, trabalho, recursos e características do domicílio. É possível ainda identificar famílias pertencentes a grupos populacionais tradicionais e específicos, bem como famílias e pessoas em situação de rua.

Outro aspecto valioso é a possibilidade de localizar as famílias no território a partir do endereço declarado, diferentemente de outras bases domiciliares que não incluem esse dado. Isso possibilita ainda associar o déficit a outros fatores relevantes, como assentamentos irregulares, áreas de risco, regiões com pouca infraestrutura urbana e ambientalmente frágeis, em geral ocupadas pela população de baixa renda diante da ausência de outras alternativas de moradia. Com a informação de onde as famílias em déficit habitacional se concentram e de que maneira elas estão enquadradas no déficit, as políticas de provisão e melhorias de moradias podem ser distribuídas de forma mais assertiva.

A leitura qualificada do déficit pode ser ainda mais proveitosa quando tratada no nível municipal e intramunicipal, especialmente na ausência dos dados completos do Censo Demográfico de 2022. A divulgação está sendo realizada de forma gradual pelo IBGE desde junho de 2023 e o material disponível até o momento não permite leituras detalhadas da realidade de cada município. 

Na escala territorial, os dados mais recentes do déficit habitacional são referentes ao Censo de 2010, já distante da realidade atual. Vale destacar que algumas informações importantes para análise do déficit não foram coletadas no Censo de 2022, a exemplo do valor do aluguel. Essas ausências podem ser supridas pelo CadÚnico até a divulgação completa do censo e, também de forma a complementá-lo, sem desconsiderar as diferenças entre as bases.

Para atender demandas específicas é necessário apurar o olhar para além do quantitativo e explorar leituras qualitativas e direcionadas. O CadÚnico pode enriquecer diagnósticos locais voltados à questão habitacional e permitir análises intersetoriais da realidade das cidades e da população de baixa renda. Com isso, orientar diversas ações das gestões municipais pelo país. Garantir moradia adequada vai além das unidades habitacionais construídas e passa pelo entendimento da questão habitacional de forma ampliada.


 

Carolina Ferreira é mestranda em arquitetura e urbanismo na UFMG e pesquisadora do Núcleo RMBH do Observatório das Metrópoles.

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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal


 

Edição: Leonardo Fernandes