Minas Gerais

Coluna

Saúde mental | A liberdade é terapêutica

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Imagem - Maíra Cabral / Mídia NINJA
A promoção da saúde mental visa buscar caminhos para uma vida saudável

Em colaboração com Maria Stella Brandão Goulart
 

O tema da saúde mental tem se destacado na atualidade e adquiriu especial relevo com a pandemia da covid-19, que agravou problemas já existentes, assim como provocou novas dificuldades, atingindo grande parte da população brasileira e mundial. 

Sabemos que o sofrimento mental é sempre um desafio. Quem de nós já não viveu um episódio depressivo ou uma crise de ansiedade? De certa maneira, são comportamentos e reações que fazem parte da vida, pois é, de fato, difícil encontrar serenidade e bem-estar na sociedade em que vivemos. 

O sofrimento mental não é apenas uma dor interna. Na maioria das vezes, ele se relaciona com nossas raízes e histórias, com nossas condições de vida e com as oportunidades que aparecem, ou com as que não aparecem. O sofrimento tem a ver ainda com o modo como traçamos nossas jornadas de vida, os conflitos inevitáveis e as situações difíceis que se apresentam nos diversos espaços que frequentamos, como o trabalho, família, escola, igrejas, entre outros. 

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Frequentemente, nossas dores emocionais estão relacionadas com vivências de preconceito, discriminação, e violências de vários tipos. Pensemos, por exemplo, no racismo, no etarismo, na misoginia e nas mais diversas formas de estigmatização que nossa sociedade, tão desigual, produz e reproduz cotidianamente. Consideremos também o desemprego, a miséria e a fome, além dos desdobramentos e impactos por eles causados nas famílias, comunidades e na sociedade de maneira geral. 

Se tais problemas são históricos, também há desafios do presente que agravam ainda mais os sofrimentos. As redes sociais têm sido uma fonte de desconfortos e gatilhos para distúrbios, sobretudo entre as juventudes. Isso porque exercem comportamento predador e porque os famosos algoritmos nos conduzem para ambientes onde falta cooperação e serenidade. 

Como se vê, os problemas de saúde mental podem atingir a todas as pessoas. Mesmo aquelas que possuem boas condições materiais de vida podem conviver com profundos desconfortos e sofrimentos, ainda que tenham a oportunidade de procurar ajuda no vasto mercado privado da saúde mental. No fim das contas, todos podemos viver sob incertezas e fragilidades que dificultam ou comprometem nossa capacidade de tomar decisões e de reorientar nossas vidas em direção a um conforto interno.

Como conquistar, dia a dia, o prazer de viver?

Uma coisa é certa: a solidão é o maior inimigo e anda de mãos dadas com a invisibilidade. Muitas pessoas têm vergonha de falar ou de partilhar sobre o próprio sofrimento mental, com receio de padecerem de algum “defeito de fabricação”. Nesses casos, frequentemente as dores são escondidas, “varridas para debaixo do tapete” e negligenciadas.

É preciso buscar ajuda! Conversar com amigos, amigas, amigues, procurar suporte de pessoas que já passaram por situações semelhantes, procurar ajuda técnica junto a psicólogos, psiquiatras e outros profissionais que se dedicam à saúde mental. 

Cada vez mais frequentemente, pessoas desistem de viver, pois não conseguem encontrar uma “saída” para a crise. Recorrem a uma solução sem volta para sanar problemas que podem ser contornados. 

A promoção da saúde mental visa lidar com essas várias situações e condições humanas e buscar caminhos para uma vida saudável, dentro de cada um de nós e nas relações em comunidade. Ou seja, a saúde mental busca “saídas” subjetivas, internamente e nas relações com as pessoas próximas, e de “saídas” objetivas, que conduzem ao fortalecimento da cidadania, à conquista de direitos sociais, culturais, de lazer e de participação na construção de soluções que atendam a todas, todos e todes!

A luta antimanicomial

O Dia Nacional de Luta Antimanicomial é o 18 de maio, data que nos convoca a pensar em tudo isso e a tomar atitudes, sejam elas pequenas ou grandes, voltadas a nós mesmos ou a pessoas próximas a nós.

A conquista dessa data foi resultado de muita luta e não é apenas um marco no calendário, mas sobretudo, uma forma de fortalecer a rede de saúde mental pública do nosso país. Você conhece algum serviço ou equipamento dessa rede? Já ouviu falar ou utilizou os Centros de Referência em Saúde Mental (Cersam) ou os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs)? Conhece os Centros de Saúde pública próximos a sua casa? Já ouviu falar no Centro de Valorização da Vida? 

Esses e outros equipamentos e serviços, públicos e privados, partem do princípio de que o tratamento deve ser feito em liberdade e com muita autonomia por parte das pessoas que estão no centro da crise. 

Sabemos que nem sempre foi assim. Houve um tempo em que as pessoas que passavam por um episódio intenso de sofrimento mental eram “presas” em manicômios, pois era mais fácil excluir e afastar da própria vida aquele que sofre. Há inclusive quem lucre, e muito, com esse “mercado”. 

Por tudo isso, a luta antimanicomial é parte da luta por direitos humanos. Pelo direito de não renunciar à própria vida e de participar ativamente na busca de soluções e na condução dos tratamentos psicoterapêuticos e medicamentosos, sem nunca esquecer que a liberdade é terapêutica.

 

Saúde é uma produção coletiva! Viva o SUS!


 

Luiza Dulci é economista e doutora em sociologia. Constrói o Movimento Bem Viver MG e integra a rede de jovens economistas "Desajuste – Economia Fora da Curva".

 

Maria Stella Brandão Goulart é professora da UFMG e outros Centros de formação. Psicóloga social, com pós-doutorado em Saúde Mental (Fundação Oswaldo Cruz), doutorado e mestrado em Sociologia (Universidade Federal de Minas Gerais) e Especialização em Saúde Pública. Coordenadora do CIAO, Centro de Estudos Ítalo-brasileiro Franca e Franco Basaglia. Desenvolve pesquisas sobre a história e atualidade da Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental na Itália e no Brasil e é autora de livros e diversos artigos sobre o tema. Presidiu o APUBH, Sindicato dos professores das universidades federais de BH, Montes Claros e Ouro Branco.

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Leia outros artigos de Luiza Dulci em sua coluna no Brasil de Fato MG
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Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal


 

Edição: Leonardo Fernandes