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Coluna

A catástrofe no Rio Grande do Sul e o alerta que vem do Evangelho: seja jardineiro

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Foto - Prefeitura de Santa Cruz do Sul
É preciso urgentemente combater o negacionismo climático

Mais um evento climático extremo está golpeando os povos do Rio Grande do Sul e toda a biodiversidade, com quase um milhão de pessoas atingidas e dezenas de mortes. As imagens de destruição são estarrecedoras.

Precisamos expressar nossa solidariedade ao povo gaúcho da forma mais efetiva possível. E, também, reconhecer que as sirenes da emergência climática estão sendo acionadas de forma estridente.


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Feliz quem ouvir e se comprometer com as lutas populares e socioambientais necessárias para frear as retroescavadeiras e os tanques de guerra das mineradoras; o agronegócio com suas monoculturas que desertificam os territórios, contaminam alimentos, terra, ar e águas com agrotóxicos; e economia capitalista que constrói oásis de luxo à custa de miséria, fome, morte e devastação socioambiental para a maioria.

A humanidade está sendo encurralada

A elite e a classe dominante idolatram o mercado e colocam em risco a vida. Nossa única casa comum está sendo sacrificada no altar do ídolo mercado. Como um grande ser vivo, Gaia, a Terra está cotidianamente sendo apunhalada e submetida à tortura com queimaduras que a deixam sangrando. Devastar o ambiente é como arrancar a pele da mãe Terra e deixá-la sujeita às intempéries de poeira, calor, ácido.

Recentemente, em missão em comunidades ribeirinhas da Prelazia de Itaituba, no Pará, e na Diocese de Humaitá, no sul do estado do Amazonas, vi e ouvi que as águas dos grandes rios Tapajós e Madeira estão contaminadas com mercúrio e vários outros metais pesados, segundo pesquisas da Universidade Federal do Amazonas. Levando a mortandade de peixes e adoecimento de pessoas e animais.

Os ribeirinhos sofrendo as consequências de secas nunca vistas, calor escaldante e densas nuvens de fumaça exaladas pelo fogo que faz arder a floresta amazônica, em muitos meses, todo ano. Isso compromete a constituição dos rios aéreos imprescindíveis para fazer chover em outras regiões.

Neste contexto de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e letais, precisamos resgatar a fina flor da mística bíblica que mostra a íntima relação do ser humano com a mãe terra, a irmã água, a natureza. Resgatemos esta relação antes que seja tarde.

Preocupações ambientais na bíblia

Na Bíblia, no primeiro relato da criação (Gn 1,1-2,4a) se repete, inúmeras vezes, a palavra “terra” (12 vezes em Gn 1; 57 vezes em Gn 1-11). Isso é forte indício de que o texto foi escrito por um povo que na época estava longe da terra, no exílio da Babilônia (587-538 antes da era cristã). Sentindo a falta de terra e de território, que era sinal da bênção de Deus, o povo resgata as origens, revelando um grande encantamento e reverência pela terra.

Sente-se filho da terra. Temos que recordar a ênfase dada na segunda versão sobre a criação (Gen 2,4b-25) sobre o “cultivar, pastorear, ser jardineiro”. Olhando a totalidade das duas versões da criação (Gen 1,1-2,4a e Gen 2,4b-25), temos que concluir que o espírito de Deus pede cuidado, pastoreio e manuseio responsável socioecológico e jamais incentiva a dominação e a devastação ambiental como, infelizmente, o modelo capitalista de desenvolvimento vem fazendo no Brasil e no mundo.

O primeiro relato da Criação (Gen 1,1-2,4a) mostra o ser humano profundamente ligado a todas as criaturas do universo. De uma forma poética, o relato bíblico insiste na fraternidade de fundo que existe entre todos os seres vivos. Deus, ao criar, sempre se extasia diante de todas as criaturas e exclama: “Que beleza! Bom! Muito bom!” O poeta cantor e compositor das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Zé Vicente, capta muito bem a mística que envolve o relato da Criação: “Olha a glória de Deus brilhando”.

O segundo relato da Criação (Gen 2,4b-25) mostra o ser humano intimamente ligado com a terra e com as águas. “Não havia nenhuma vegetação, porque Javé Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem para cultivar o solo” (Gen 2,5). Dois seres imprescindíveis e interdependentes para que o mundo se transforme em um paraíso com sociobiodiversidade: água e ser humano.

A água, junto com a terra, é a mãe da vida. Sem ela, tudo morre. Assassinar uma nascente, poluir um rio, deve ser considerado crime hediondo de lesa pátria. O ser humano é outro ser imprescindível, mas como cultivador, jamais como explorador e depredador.

Os povos da Bíblia construíram unidade no meio de muita pluralidade, a partir de suas experiências religiosas com o seu Deus, o Deus de Abrão, de Isaac e de Jacó, de Sara e Agar, de Rebeca e de Raquel.

Reconstruir como e onde?

Os empobrecidos são os mais golpeados pela crise ambiental

A mobilização por solidariedade e pela reconstrução das condições de vida do povo gaúcho e de toda a biodiversidade não pode ser apenas quando as situações extremas de clima são evidentes, como agora. Reconstruir como e onde? Reconstruir como era antes no mesmo lugar será insensato, pois outros eventos extremos acontecerão e poderão ser mais letais e destruidores.

É preciso urgentemente combater o negacionismo climático e, sobretudo, o capitalismo, sistema perverso, que leva a devastação ambiental. É importante lembrar também que as condições extremas de clima atingem de forma diferenciada as pessoas, os empobrecidos são os primeiros e os mais golpeados. Por isso, precisamos também de justiça climática!

Temos que denunciar que as bancadas do agronegócio, do boi, da bala e da Bíblia, no Congresso Nacional criaram bomba climática ao destruir a legislação ambiental, ao flexibilizar leis para criar capa de legalidade para desmatamentos criminosos. Estão com as mãos sujas de sangue todos que nos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, no poder midiático e no poder econômico tomaram decisões políticas e econômicas que pisoteavam o meio ambiente para abrir espaço para que o grande capital lucrasse e acumulasse riqueza.

A todas as pessoas pedimos que parem de maltratar a Mãe Terra. A Terra é nossa mãe e é sagrada. As águas, os rios, os animais e as florestas estão pedindo socorro. Como jardineiros, cuidemos da Mãe Terra.

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida