Era um final de tarde de sábado quando o arquiteto Túlio Bernardi voltava para casa, no Bairro Floresta, em Belo Horizonte, em busca de descanso. As ruas estavam quase desertas, e enquanto poucas pessoas esperavam pelo transporte público, ouviu de um homem, que estava a poucos metros: “olha lá o viado”.
Em um gesto de reafirmação, respondeu: “sou viado mesmo”, e continou andando, sem olhar pra trás. O que sucedeu, no entanto, foi um episódio abrupto de violência. Túlio foi atacado por três homens, que o surpreenderam com uma série de chutes e socos. Ele fraturou duas costelas, mas resistiu sem qualquer tipo de ajuda.
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“Fiquei olhando para as pessoas no ponto e ninguém fez nada. Ninguém perguntou se eu estava bem, foi um momento bem triste”, lamentou.
Nove anos se passaram desde que o infortúnio aconteceu, mas as violações contra pessoas LGBTQIA+ ainda são um triste dado da realidade brasileira. O Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já registrou 33.935 denúncias contra essa população apenas nos primeiros meses de 2024.
Em Minas Gerais, houve um aumento de 21% nas denúncias de crimes contra a comunidade entre 2022 e 2023, segundo o Observatório de Segurança Pública da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). Nesta sexta-feira (17), o mundo inteiro se mobiliza para o Dia Internacional de Luta Contra a LGBTfobia.
Avanços e retrocessos
Na avaliação de Roberto Chateaubriand, psicólogo conselheiro do Conselho Federal de Psicologia (CFP), embora seja possível reconhecer os avanços e conquistas históricas no que tange a direitos e reconhecimento da existência da comunidade LGBTI+ no Brasil, ainda há desafios gigantescos enfrentados cotidianamente por lésbicas, gays e pessoas trans no país.
“Temos o crescimento assustador do fundamentalismo religioso e de uma agenda conservadora que faz com que, a despeito da conquista de direitos, sobretudo simbolicamente, se exclui e invisibiliza sujeitos e comunidades, criando imaginariamente um mundo ideal , porém fantasioso”, observa.
No campo da saúde mental, o psicólogo chama atenção, por exemplo, para as práticas clandestinas de conversão baseadas na ideia de que o sofrimento de uma pessoa homossexual se articula com a suposta “inadequação” de sua orientação sexual. Para ele, essas práticas desconsideram as mais variadas situações discriminação e preconceitos às quais essas pessoas estão submetidas.
“Nos deparamos com processos de aniquilação social e subjetiva que produz dor e sofrimento às pessoas LGBT, em graus distintos, mas sempre deletérios para a saúde mental”, analisa.
No campo político, Roberto pondera que é preciso de ações de advocacia e grupos de interesse que acompanhem e provoquem o legislativo para efetivação de direitos e rompimento de violências.
Atuação política
Exemplo dessa participação ativa é a primeira deputada estadual assumidamente LGBTI+ de MG, Bella Gonçalves (Psol). Orgulhosamente lésbica, ela reafirma a importância da comunidade ocupar a política sem ter que “se esconder no armário” e sem receio de que a sexualidade e a identidade de gênero possam afetar sua atuação nas diversas pautas com as quais se envolve.
“É fundamental que a gente traga luz, visibilidade, traga para a arena pública, o debate sobre a igualdade e a equidade dos direitos da cidadania LGBTI+”, aponta.
A deputada propôs, por exemplo, o PL 1650/2023, que versa sobre a proibição da prática e a divulgação de terapias de conversão de orientação sexual, identidade de gênero e expressão de gênero ou correlatas no estado.
E o PL 1043/2023, que prevê a criação de uma política de prevenção ao suicídio e promoção do direito aos serviços de saúde mental para pessoas LGBTI+.
Mobilizações
Para marcar o dia 17 de maio, o Centro de Luta Pela Livre Orientação Sexual e Identidade de Gênero de Minas Gerais (Cellos-MG), realizou um ato, na Praça Sete, em BH, para denunciar os casos de violência e assassinatos contra pessoas LGBTQIA+ e escrever o nome de vítimas de LGBTfobia em um tecido branco.
Para o presidente da entidade, Maicon Chaves, a data tem impacto para todos da população LGBTQIA+.
“Além das supressões de direitos que a gente vive hoje, havia uma supressão da existência. A pessoa LGBTQIA+ tinha sua subjetividade apagada em nome da doença”, lembra.
O que diz a lei?
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a omissão do Congresso Nacional em criminalizar a discriminação por identidade de gênero e orientação sexual, e determinou oda homotransfobia no tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989), até que o Legislativo crie uma lei sobre a matéria.
Já em 2023, o STF reconheceu que ofensas praticadas contra pessoas LGBTs podem ser enquadradas como injúria racial.
Edição: Leonardo Fernandes