Minas Gerais

Coluna

Assessoria Técnica de Habitação de Interesse Social: um direito, várias necessidades

Ocupação Willian Rosa, em Contagem - Willian Dias/Reprodução ALMG
As ATHIS são fundamentais para quem vive os problemas e autoconstrói suas soluções

Para iniciar a discussão a respeito das Assessorias Técnicas para Habitação de Interesse Social (ATHIS), é importante começar pelo debate sobre o déficit habitacional. Calculado a partir de quatro componentes, (1) habitação precária, (2) coabitação familiar forçada, (3) adensamento excessivo em domicílios alugados e (4) ônus excessivo com aluguel, o déficit é um número a partir do qual se constrói no país uma política habitacional com foco em uma única solução, a provisão habitacional. 

Além da provisão ser historicamente promovida de forma associada aos interesses do capital imobiliário, a questão habitacional é muito mais complexa e não pode ser reduzida a números. 
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Uma abordagem que leve em consideração as necessidades habitacionais abre um leque de possibilidades muito mais diverso, que vai desde políticas voltadas para a regularização fundiária e urbanização de territórios populares, passando por melhorias habitacionais e requalificação de imóveis vazios situados em áreas centrais das cidades, chegando à locação social.

Em todas as possibilidades mencionadas, inclusive a provisão, a assessoria técnica é fundamental para que a questão habitacional seja complexificada junto a quem vive os problemas e já autoconstrói suas soluções. Um público que não pode ser tratado como um alvo passivo a ser beneficiado por políticas construídas a sua revelia e de forma assistencialista. 

No caso da provisão habitacional por meio do Programa Minha Casa Minha Vida-Entidades,  a assessoria técnica está prevista como parte importante do processo.  

 

Melhorias 

Quanto às melhorias habitacionais, a Assessoria Técnica é um direito assegurado pela Lei Federal 11.888/2008. Entretanto, ao longo dos anos, pouca ou nenhuma verba foi direcionada para essa atividade. 

No caso de Belo Horizonte, em 2022, houve um pequeno avanço com o projeto de lei que regulamenta  a Linha Programática de Assistência e Assessoria Técnica (LP AAT), e que, em 2024, teve seu primeiro fruto viabilizado por meio de verba de emenda parlamentar: a contratação da Arquitetura da Periferia para atuar junto famílias de ocupações organizadas do Vale do Jatobá, Barreiro, visando capacitar mulheres para a realização de projetos, gestão e execução de obras de melhorias habitacionais.

Ressalta-se que a minuta, quando escrita por representantes do Conselho de Habitação do município, dizia que a assessoria técnica pública e gratuita seria viabilizada com parte dos recursos captados para o Fundo de Habitação, através da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC), assegurada pelo novo Plano Diretor de Belo Horizonte.  

Entretanto, em 2023, quando o plano deveria ser posto em prática, houve uma forte pressão liderada por setores empresariais que alterou a legislação, diminuindo de forma considerável o Fundo de Centralidades estabelecido no plano. Na ocasião, um grupo formado por arquitetos, economistas e advogados entrou com um processo alegando, com argumentos contundentes, a ilegitimidade da alteração. 

Importante dizer que a assessoria técnica pode ser realizada também por meio de projetos de extensão acadêmicos, muitas vezes articulados a projetos de pesquisa e atividades de ensino. 

Os processos são efetivados por práticas compartilhadas, que, nem sempre, resultam em algo construído, até porque não há verba disponível para que isso aconteça. O que não tira a sua importância, visto que no ambiente acadêmico é possível complexificar as questões da moradia e da assessoria técnica, reconhecendo as várias possibilidades de atuação e investigação.

Em suma, as práticas de ATHIS não acontecem de maneira homogênea e contínua, ao contrário, elas são atravessadas constantemente por disputas e desvios. Fica, pois, o desafio: Como consolidar o campo profissional da ATHIS a partir de políticas e recursos públicos? Como convergir o tempo das demandas materiais urgentes com o tempo lento da construção de imaginários urbanos mais ampliados?
 

Marcela Silviano Brandão Lopes é professora da Escola de Arquitetura (EA/UFMG) e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (NPGAU/UFMG). Líder e pesquisadora do grupo de pesquisa Natureza Política (UFMG), integrante da Rede Moradia-Assessoria e pós-doutoranda no Laboratório de Habitação da FAU/USP.

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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Leonardo Fernandes