Em agosto de 2024, médicos e médicas do Brasil poderão escolher os próximos conselheiros, efetivos e suplentes, do Conselho Federal de Medicina (CFM). É nesse cenário que alguns profissionais criaram o manifesto “Muda CFM”, um documento que clama por mais ética e comprometimento com a ciência em prol da saúde coletiva.
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“As últimas gestões do CFM se caracterizaram por posições e iniciativas em defesa de uma suposta ‘autonomia’ médica, endossando medidas distanciadas das evidências científicas, baseadas em crenças propagadas no meio digital e alienadas da segurança dos pacientes, dos princípios éticos e das próprias bases da medicina”, aponta um trecho do texto.
Relembre
No último período, o conselho foi criticado por tomar algumas medidas, entre elas, a decisão de autorizar, em alguns casos, o uso de cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes com diagnóstico de covid-19. A definição foi tomada mesmo após analisar a literatura científica e constatar que não havia evidências sólidas sobre o funcionamento das drogas no combate à doença.
No início deste ano, a entidade abriu uma consulta para conhecer a percepção da comunidade médica sobre a obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19 em crianças de até quatro anos. No entanto, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) já havia indicado a vacina como parte do calendário de imunização.
Recentemente, a Defensoria Pública de São Paulo atendeu duas mulheres vítimas de violência sexual que tiveram o acesso ao aborto legal negado. A decisão ocorreu após o CFM publicar uma portaria que restringia o procedimento acima de 22 semanas de gestação.
Defesa da saúde pública
Médico infectologista, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e integrante da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD), Unaí Tupinambás é um dos signatários do manifesto. Para ele, é preciso restaurar a função básica do conselho, que vem sendo esquecida pela atual gestão.
“É preciso que a prática médica seja sempre voltada para o bem-estar da população, acolhendo diferenças, zelando e respeitando o sofrimento e as necessidades individuais e subjetivas de cada cidadão”, pondera.
Ainda de acordo com ele, o CFM precisa ter uma ação mais efetiva na defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), que é universal, público e gratuito, e precisa ser garantido com equidade, descentralização, hierarquização e participação.
O médico também defende uma medicina humanista, que compreenda o ser humano no seu contexto social amplo, levando em consideração os determinantes sociais da saúde e da doença, seja no setor público ou privado, contribuindo para construção de uma sociedade mais democrática e justa.
“Os médicos precisam sempre se manter informados e atualizados por publicações e instituições científicas idôneas, com boa capacidade crítica em relação a notícias sensacionalistas relacionadas à saúde e artigos pseudocientíficos que podem colocar em risco a saúde de seu paciente e da população em geral”, realça.
Ética e comprometimento
Também signatária do “Muda CFM”, a médica psiquiatra e integrante da coordenação nacional da ABMMD, Vera Prates, ressalta que a mobilização não se trata de uma luta político-partidária, mas de uma luta em prol de valores universais, como saúde, liberdade, direitos humanos e ética.
Ela também chama a atenção para a responsabilidade individual de cada médico em suas decisões e estudos e reforça que, no plano coletivo, é preciso que os profissionais entendam que estão inseridos em um contexto social, ambiental, cultural e econômico que afetam tanto seu trabalho quanto a saúde do paciente.
“É só partir de uma compreensão mais clara e ampla do contexto onde atuamos e onde vive cada um de nossos pacientes que poderemos atuar em defesa da saúde, da democracia e das ciências, combatendo o negacionismo e o discurso anticientífico que já tem potencializado tragédias no país”, alerta.
Leia o manifesto completo aqui.
Outro lado
O Brasil de Fato MG entrou em contato com o CFM para comentar o conteúdo desta reportagem, mas, até o momento de publicação, não obteve respostas. O espaço segue aberto para manifestações.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos