Minas Gerais

Coluna

Uma leitora em busca de um livro!

Reprodução: UFMG - Foto: Rafaella Dias
Leitores há, e inclusive são persistentes

É comum lermos relatos sobre experiências pessoais, e até mesmo de resultados de pesquisas, chamando a atenção para o fato de que, no Brasil, lê-se pouco e que o livro é muito caro. Infelizmente são duas verdades verdadeiras, como se diz! Mas, hoje, vou contar uma história verídica e diferente.

Estava eu circulando pelos estandes das dezenas de editoras participantes da Festa de Livros da UFMG - 2024, e aproveitando para comprar alguns exemplares com bons descontos, quando me deparei com a cena de uma senhora que folheava um livro. 

Em seguida, ela perguntou à vendedora quanto custava, e a atendente informou: "R$11,50". Foi aí que a senhora lhe perguntou se poderia guardar um exemplar para ela até o outro dia. A vendedora, meio hesitante, perguntou até que hora. Diante do silêncio da potencial compradora, a outra se adiantou e informou que poderia guardar um exemplar até o dia seguinte, “ao meio-dia”.

A senhora continuou a segurar e a folhear o livro. Foi quando eu me aproximei e notei, pelo uniforme, que ela deveria ser uma trabalhadora terceirizada da UFMG. Elas são muitas, as prestadoras de serviço, e também as mulheres negras, como a compradora, que trabalham no campus. Vi que ela estava visivelmente encantada com o livro e não parecia ter R$11,50 para comprá-lo. Pelo menos não naquele momento.

Ainda sem saber de que livro tratava e meio receoso com a reação da senhora, que poderia se sentir constrangida, disse que pagaria o livro para ela e que seria um presente. A reação dela foi, primeiro, de descrença, parecendo não ter ouvido minha oferta. Em seguida, quando reafirmei, foi de uma alegria tamanha que parecia ser um presente de outro mundo. Foi quando ela virou a capa do livro para meu lado e pude ver do que se tratava: Vidas Secas, de Graciliano Ramos.

Fomos juntos ao caixa, que ficava do outro lado. Enquanto esperávamos, pois havia fila para pagar por livros(!), ela me informou, sem que eu perguntasse, que havia feito a EJA na Escola de Ensino Fundamental da UFMG e que, quando estudava, havia lido aquele livro, mas que não podia levá-lo para casa, pois ele tinha que ficar na biblioteca. Desde então, ela disse: sonhava em tê-lo.

Feito o pagamento, eu lhe disse que no meu carro, que estava ali próximo, havia alguns livros e que, se ela quisesse, eu poderia oferecer-lhes alguns, e ela resolveu me acompanhar. 

Enquanto caminhávamos, ela me contou que trabalha numa empresa que prestava serviço para a agência da Caixa Econômica Federal que funciona na UFMG e que mora na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Disse ainda que gostava muito de gastronomia e que queria fazer um curso nessa área.

Chegamos ao carro e eu lhe passei dois dos meus livros, Entre mulheres e O corpo do tempo, e deixei meu número de telefone anotado num marcador para que ela me dissesse depois o que havia achado das leituras. Anotei apenas: Luciano. Ela concordou, saiu, e eu entrei no carro. 

Quando estava manobrando, ela voltou correndo e bateu na janela. Quando abri, ela perguntou, quase afirmando: “Estes livros são seus né? Você é o autor? ” Ela havia se dado conta que os “Lucianos” eram os mesmos e voltou para me parabenizar e pedir um autógrafo! Agora, nós dois éramos uma alegria só!
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Leitores há, e inclusive são persistentes. O duro é viver num país em que uma mulher trabalhadora, desejosa por adquirir um livro que lhe marcou a vida, não tenha R$11,50 para comprá-lo!
 

[Este texto é dedicado à Maria Mazarelo Rodrigues - a Mazza - editora pioneira no reconhecimento e na valorização da autoria das pessoas negras deste país]

Luciano Mendes de Faria Filho é pedagogo e doutor em Educação e professor titular da UFMG. Publicou, dentre outros, “Uma brasiliana para a América Hispânica – a editora Fondo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira” (Paco Editorial, 2021)

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Leia outros artigos sobre educação e literatura na coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Leonardo Fernandes