Minas Gerais

Coluna

O que os “acidentes” de trânsito nos contam sobre o direito à cidade

Agência Brasil - Foto: Fernando Rocha
É necessário avançar em políticas que transformem a forma como usamos nossas cidades

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente 1,2 milhão de pessoas morreram no trânsito em 2021. O cenário brasileiro não difere do mundial. Nosso país foi o terceiro com mais mortes no trânsito em todo o mundo em 2020, ficando atrás apenas de Índia e China. 

Em Belo Horizonte, as ocorrências de sinistros de trânsito registradas entre 2018 e 2021 foram, em média, cerca de 11.600 por ano, com uma leve redução durante o primeiro ano de pandemia da covid-19. Anualmente, cerca de 25 mil pessoas se envolvem em sinistros de trânsito na capital mineira. Entre 2018 e 2020, foram 113 óbitos anuais, e em 2021, foram registradas 131 vítimas fatais, um aumento de 16%. 
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A maior parte das vítimas fatais são homens, jovens adultos entre 18 e 30 anos, e motociclistas. As pessoas idosas também são vítimas frequentes do trânsito, sendo registrada uma média anual de 17 óbitos nessa faixa etária .

O que esses “eventos” nos alertam sobre a vida urbana e sobre o direito à cidade? 

Em primeiro lugar, esses não são fenômenos aleatórios. Hoje, são definidos como sinistros de trânsito colisões, atropelamentos e outros eventos antes denominados como acidentes. 

Porém, esse termo carrega consigo a falsa crença de serem aleatórios, não podendo ser previstos ou evitados. Os sinistros não acontecem por acaso, mas sim, em horários com maior fluxo de veículos, particularmente entre 17h e 19h (15%).

Também não são aleatórios os lugares onde acontecem. Destaca-se, por exemplo, a elevada incidência nos cruzamentos (31%) de altos índices de mortalidade por atropelamentos. Também se concentram nos principais corredores da cidade. 

Tal é o caso do Anel Rodoviário Celso Mello Azevedo, que aparece consistentemente como o local de maior número de ocorrências e fatalidades. Outros grandes corredores da capital, locais frequentes de óbitos no trânsito, são as avenidas Cristiano Machado, Antônio Carlos e Amazonas. 

Todas essas vias são de alta velocidade, alto número de faixas e poucas facilidades para pedestres. Nesses locais é perceptível a ocorrência do fenômeno conhecido por “efeito barreira”, que causa uma intensa segregação socioespacial e gera o aumento de sinistros, e a redução dos contatos sociais e da liberdade de locomoção das pessoas.

Comumente, a causa dos sinistros está relacionada às decisões de  motoristas irresponsáveis que dirigem com imperícia, especialmente sob a influência do álcool ou drogas e em alta velocidade. Mas essas ocorrências não são resultado de uma ação puramente individual. 

Responsabilizar as pessoas de serem os principais causadores dos sinistros implica que a maior parte dos investimentos esteja orientada a programas de educação e conscientização no trânsito. Porém, é também preciso avançar em outras ações estratégicas, especialmente quando se trata de uma das capitais com maior nível de motorização privada do Brasil, tal como foi constatado pelo ITDP Brasil (2022). 

O que fazer?

É necessário avançar em políticas que transformem a forma como usamos nossas cidades. A redensificação das áreas urbanas, a criação de centralidades e a diminuição da segregação são medidas mais estruturais e necessárias para mudar nossa distribuição modal a longo prazo. 

Com ainda mais urgência, é essencial promover o transporte público seguro e acessível, construir faixas de ciclovias e de motociclistas, aumentar o tempo de cruzamento e as condições de desenho universal para pedestres, bem como produzir calçadas adequadas e amplas. 

De forma imediata, temos que avançar na identificação de pontos críticos de risco e no redesenho viário, além da melhoria da sinalização e da pavimentação das vias. 

Combinadas essas medidas com os processos de educação, podemos avançar na criação de cidades que garantam que todos os modos de nos movimentarmos estejam baseados no princípio do respeito à vida e do direito à cidade. 

 

Ana Marcela Ardila Pinto é Professora do Departamento de Sociologia da UFMG. Coordenadora do Centro de Estudos Urbanos, pesquisadora do grupo Mobilidades Gerais e do Núcleo RMBH Observatório das Metrópoles.

Bárbara Abreu Matos é professora do Departamento De Engenharia Urbana (Deurb) da Universidade Federal De Ouro Preto (Ufop). Pesquisadora do grupo Mobilidades Gerais.

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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Leonardo Fernandes