Nesta quinta-feira (6), a VALE foi incluída no cadastro de empregadores responsabilizados por utilizar mão de obra análoga à escrava, conhecido como “lista suja”. A inclusão está relacionada a uma operação que encontrou 309 pessoas nessas condições na Mina do Pico, em Itabirito (MG).
O flagrante ocorreu em fevereiro de 2015, mas a empresa recorreu na Justiça do Trabalho contra os autos de infração, buscando sua anulação. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, a mineradora perdeu a parte da ação relativa à responsabilização por escravidão, resultando em sua inserção no cadastro.
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Os trabalhadores em questão eram motoristas que transportavam minério de ferro pela estrada particular da Vale, conectando duas minas no município. Embora fossem empregados de uma empresa subcontratada, a Ouro Verde, os auditores da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais responsabilizaram a Vale.
De acordo com a fiscalização, os trabalhadores enfrentavam jornadas exaustivas, condições degradantes, além de serem vítimas de fraude, promessas enganosas e ameaças.
Em nota, a Vale contestou a inclusão e afirmou que tomará medidas para sua exclusão. “Foi proferida decisão judicial em maio de 2024 que reconhece indevida a lavratura do auto de infração em razão da fiscalização ocorrida em 2015, o que torna indevida sua inscrição no cadastro”, afirmou a empresa.
Na época, uma reportagem de Ana Aranha, da Repórter Brasil, relatou casos como o de um motorista que dirigiu por 23 horas com apenas 40 minutos de intervalo e outro que trabalhou de 14 de dezembro a 11 de janeiro sem folgas. Os banheiros eram impraticáveis, levando os trabalhadores a usarem a estrada para fazer suas necessidades. Promessas de benefícios para quem trabalhasse mais intensamente, colocando em risco suas vidas e a de outros, foram feitas e não cumpridas. Quando os trabalhadores reclamaram, foram ameaçados, segundo a fiscalização.
“A Vale repudia toda e qualquer forma de desrespeito aos direitos humanos e às condições indignas de trabalho, reforçando seu compromisso com a manutenção de condições dignas para toda sua cadeia produtiva”, afirmou a empresa.
Na época da operação, a Ouro Verde alegou que as irregularidades nas jornadas de trabalho eram decorrentes de problemas sistêmicos no relógio de ponto e negou a existência de promessas enganosas e ameaças.
Criada em novembro de 2003, a “lista suja” é atualizada semestralmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Os nomes dos empregadores são incluídos após esgotarem o direito de defesa em duas instâncias na esfera administrativa e permanecem na lista por dois anos.
Embora a portaria interministerial que prevê a lista não obrigue um bloqueio comercial ou financeiro, ela tem sido usada por empresas e bancos, nacionais e estrangeiros, para gestão de risco, tornando-se um exemplo global no combate ao trabalho escravo, reconhecido pelas Nações Unidas.
Em 2010, o Conselho Monetário Nacional proibiu a concessão de crédito rural a quem está na lista, e o BNDES também a utiliza antes de fechar negócios. Em setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a constitucionalidade da “lista suja” por nove votos a zero, ao analisar uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 509, ajuizada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).
Trabalho escravo no Brasil
Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição para esse crime, denominado de trabalho escravo contemporâneo ou condições análogas à escravidão. De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos caracterizam essa prática: trabalho forçado (com cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro ligado a dívidas muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) e jornada exaustiva (que leva ao completo esgotamento do trabalhador, também colocando em risco sua saúde e vida).
Desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995, mais de 63,5 mil trabalhadores foram resgatados. Participam desses grupos a Inspeção do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Defensoria Pública da União.
Nota da redação: o texto foi atualizado às 09h50 da sexta-feira (07) para esclarecer que a Vale perdeu a parte da ação referente à responsabilização por escravidão e, por isso, foi inserida na “lista suja”.