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Economia da rua: por que precisamos da economia popular urbana?

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Agência Brasília - Foto: Joel Rodrigues
Empreendimentos econômicos solidários constituem parte relevante da economia popular metropolitana

Em colaboração com Sibelle Diniz

 

O trabalho é um dos elementos organizadores da vida no território. Ele expressa cultura, que se desdobra em relações de produção e regras formais e informais que regulam a convivência em comunidade. Além disso, constitui um meio para alcançar, de forma remunerada ou não, a reprodução material das famílias, promovendo também a autoestima e a identidade dos grupos sociais. 

Entre as diversas formas de trabalho existentes em Belo Horizonte e em sua Região Metropolitana, pode-se dizer que a economia popular é a economia da rua, da praça, do bairro e da vida urbana. É voltada  prioritariamente às demandas locais, relacionando-se às redes de cuidado e de solidariedade que se estabelecem no cotidiano. 

Podemos identificar essa economia no trabalho de ambulantes, catadores de materiais recicláveis, artesãos, artistas populares, agricultores urbanos, produtores artesanais de alimentos, trabalhadoras dos cuidados pessoais, entre outras muitas atividades, tão plurais quanto heterogêneas. 

São atividades intensivas de trabalho, cuja produção acontece, em grande parte, nas residências dos próprios trabalhadores, enquanto a comercialização ocorre primordialmente no espaço urbano: em feiras, barracas e quiosques, nas ruas e em pequenos comércios.

Segundo nota técnica produzida pelo grupo Colmeia, da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a economia popular abrangia 20,3% dos trabalhadores ocupados na RMBH, cerca de 530 mil pessoas, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC/IBGE) de 2018. Destes, 40,2% residiam na capital. 

Eram trabalhadores, em sua maioria, pretos e pardos, com baixa escolaridade formal e baixo rendimento. Outra característica de destaque é o alto grau de informalidade, refletido na ausência de carteira de trabalho assinada e de contribuição para a Previdência Social.

Segundo a mesma pesquisa, 69,3% dos trabalhadores da economia popular metropolitana declararam que o negócio ou a empresa em que trabalhavam “não tinha estabelecimento para funcionar”. Destes, 42,2% trabalhavam em local designado pelo empregador, cliente ou freguês; 20% em veículos automotores e 6,6%, em vias públicas. 

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Essa informação denota o caráter domiciliar dessas atividades, o que garante certa flexibilidade de trabalho para grupos como mulheres com filhos, pessoas idosas e pessoas com deficiência. Por outro lado, quando se observa a comercialização, nota-se certa dependência da circulação de pessoas no espaço urbano, o que requer condições para a mobilidade no território. 

Como se vê, empreendimentos econômicos solidários constituem parte relevante da economia popular metropolitana, envolvendo grupos informais, associações e cooperativas de trabalhadores organizados em fóruns municipais e regionais, e baseados na autogestão. 

Segundo o último mapeamento da Economia Solidária no país, realizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em 2012, essas iniciativas contavam com 2.289 sócios na RMBH, sendo 81% desses, mulheres. A Economia Solidária geralmente é impulsionada por motivações de um determinado grupo social (mulheres, desempregados, jovens, idosos, etc). 


Economia popular e solidária gera trabalho e renda para grupos sociais desfavorecidos

A maioria dos empreendimentos realiza atividades artesanais, como  a produção de artigos de decoração e vestuário, brinquedos, bijuterias, entre outros. Em menor proporção, estão as iniciativas ligadas à confecção de roupas, produção de alimentos, como doces e refeições, e reciclagem (papel, metal e tecido).

A economia popular e solidária constitui um conjunto expressivo e heterogêneo de atividades econômicas que, para além de gerar trabalho e renda para grupos sociais desfavorecidos, supre demandas por bens e serviços não ofertados pelo chamado “circuito superior das economias urbanas”, interessado na produção industrial de grande escala e nos serviços avançados em tecnologia. 

Ademais, a economia popular urbana se vincula às práticas culturais cotidianas, às festas e aos costumes locais, estando intimamente ligada às formas de expressão das localidades. Em Belo Horizonte e Região Metropolitana, por exemplo, podemos vivenciar a economia popular nas feiras de rua, nos mercados populares, no carnaval, nas festas juninas, nas festas e festivais populares e nas expressões religiosas, como os reinados, as folias de reis, entre outras. 

Considerando a diversidade e a relevância da economia popular em Belo Horizonte, entendemos que são necessários esforços para sua visibilização e seu fortalecimento. Algumas das possibilidades de fomento por parte do poder público e demais instituições de apoio são:

ampliação e fortalecimento dos programas de apoio aos empreendimentos da economia popular urbana, com capacitação, formalização e outros;

priorização dos produtos da pequena produção local em compras públicas e contratações de serviços municipais, por meio de capacitação de gestores públicos e privados em compras públicas, licitações específicas e mecanismos de incentivos à participação pelos pequenos produtores;

manutenção e ampliação de feiras periódicas e permanentes, além de pontos fixos de comercialização em locais de grande circulação;

expansão e adequação do microcrédito produtivo às condições de existência dos empreendimentos populares e solidários, bem como o apoio a alternativas geridas por comunidades (Bancos Comunitários e Fundos Rotativos Solidários);

revisão dos planos diretores e códigos de posturas municipais, considerando as realidades da economia popular urbana;

fomento a estudos de desenvolvimento de metodologias específicas de apoio aos empreendimentos da economia popular e solidária, por meio de fundações de apoio à pesquisa e da extensão universitária;

incentivo ao consumo solidário, por meio da divulgação dos produtos da Economia Popular Solidária na mídia e em eventos públicos, como fóruns e conferências promovidas por setores governamentais diversos; 

ações de conscientização dos consumidores e das empresas a respeito de conceitos como economia popular solidária e comércio justo solidário; 

apoio à criação de cooperativas de consumo e grupos de aquisição solidária; ações de divulgação e regulamentação da Lei Estadual de Economia Popular Solidária (Lei 15.028/2014);

promoção da integração entre ações e programas institucionais já existentes, levando-se em consideração os diversos níveis de organização produtiva dos empreendimentos e suas inserções territoriais, e visando estabelecer uma articulação permanente entre os empreendimentos, as organizações governamentais, os produtores em maior escala, as instituições de ensino superior e técnico e centros de pesquisa, públicos e privados, e outras entidades que possam fornecer apoio ao seu funcionamento;

criação de uma moeda social municipal/metropolitana voltada aos empreendimentos solidários e seus locais de comercialização;

destinação de incentivos aos supermercados e demais comércios que adquirirem produtos locais de associações, cooperativas e demais empreendimentos da economia popular.

Referências bibliográficas

CORAGGIO, Jose Luis. Da Economia dos Setores Populares à Economia do Trabalho. In: KRAYCHETE, G. et al. (Orgs.). Economia dos setores populares: entre a realidade e a utopia, Petrópolis: Vozes, 2000. p. 91-133.

DINIZ, Sibelle C.. A economia popular como categoria para discutir o Brasil. Economistas, v. 47, p. 42-47, 2023.

DINIZ, Sibelle C.. Possibilidades da economia popular e solidária no Brasil contemporâneo: apontamentos. Nova Economia (UFMG), v. 29, p. 963-985, 2019.

DINIZ, Sibelle C.; TONUCCI FILHO, João Bosco M. . A economia popular no Brasil contemporâneo: Uma análise a partir dos Censos Demográficos 2000 e 2010. In: GAGO, Verónica ; CIELO, Cristina; TASSI, Nico (Orgs.). Economías populares. Una cartografía crítica latinoamericana. Buenos Aires: CLACSO, 2023, p. 123-160.

FERNANDES, Bruno S. ; DINIZ, Sibelle C. . Para uma multiplicação dos imaginários e das formas de fazer economia. ORG & DEMO, v. 23, p. 117-136, 2022.
 

Sibelle Diniz é economista e professora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

Luiza Dulci é economista e doutora em sociologia. Constrói o Movimento Bem Viver MG e integra a rede de jovens economistas "Desajuste – Economia Fora da Curva".

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:: Leia outros artigos de Luiza Dulci em sua coluna no Brasil de Fato MG ::

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Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Ana Carolina Vasconcelos