Greve é por direitos e para melhorar as universidades, não é contra o governo Lula
Há quase 90 dias movimentos grevistas marcam o cotidiano das universidades e institutos federais pelo país afora. A greve do pessoal técnico (TAEs) completou três meses e a do pessoal docente já ultrapassa 60 dias.
Diante disso, tem sido comum falarmos que as “universidades federais” estão em greve. Ainda que eu saiba da força simbólica e, portanto, política, dessa ideia, eu queria reafirmar que não são as “Federais” que estão em greve e, sim, as pessoas que nelas trabalham. E escrevo isso por duas razões: primeiro, porque parte das pessoas que trabalham nas universidades continua trabalhando normalmente (não se tem notícia, por exemplo, pelo que isso tem de bom e de ruim, de nenhum reitorado que tenha entrado em greve); segundo, para efeito da ideia que exponho a seguir, analiticamente é preciso reafirmar que são as pessoas, e não as instituições, que fazem greve.
A beleza e a grandeza da política estão na disputa pelos sentidos das coisas, por meio das linguagens, no espaço público, sem violência e sem demonizar os adversários ou desqualificar, como ingênuas e sem fundamento, as posições com as quais não concordamos. Por isso, apesar de concordar com muitos pontos de vista de colegas que, legitimamente, e no campo democrático, defendem que a greve das pessoas das Universidades Federais é um erro, gostaria de salientar, segundo meu ponto de vista, que o erro muito maior foi (e continua sendo) das pessoas que representam o Governo Federal nesta disputa.
Erraram ao anunciar aumentos para a Polícia Federal (PF) e a Policia Rodoviária Federal (PRF), dentre outras categorias, e esquecer o pessoal das Universidades Federais. Erraram também ao não negociar ao longo de 2023 e no início de 2024 (somente aceitou negociar depois que a greve era já um fato).
:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::
O governo federal continuou errando ao não colocar à mesa de negociações representantes seus que, de fato, entendem a dinâmica das universidades e sua importância para o país e, ainda, ao alijar o Ministro da Educação das tratativas com docentes, eximindo-o de responsabilidades pelo que acontece em sua pasta (se o Ministro da Educação não é um “negociador nato” nas questões que afetam a educação, para que Ministro da Educação? Só para cumprir a agenda das fundações privadas?).
Errou o governo, e de maneira primária, ao sinalizar 0% de recomposição salarial para 2024 (não se trata de aumento, mas de recomposição de perdas passadas).
Mas erraram e continuam errando as pessoas que compõem o governo Lula ao tentar demonizar a organização das pessoas que trabalham na área. No caso dos docentes, negociar com o PROIFES, que representa 10% da categoria, e desconsiderar as posições do ANDES e do Comando Nacional de Greve, e seus de representados, a imensa maioria (em torno de 90% do pessoal docente), foi politicamente desastroso, e ainda rendeu ao governo uma derrota jurídica, com a suspensão do acordo assinado.
Governo deveria negociar
A arena política, e pública, é o espaço da disputa dos sentidos, inclusive da produção de sentido com os quais não concordamos. No entanto, ao tentar demonizar o ANDES e o Comando Nacional de Greve (que não é composto apenas pelo ANDES) dizendo que a manutenção da greve é devido “à radicalidade das lideranças”, as pessoas que representam o governo, e seus apoiadores de ocasião na chamada mídia empresarial, parecem desconsiderar que os professores e as professoras que trabalham nas instituições de ensino federais, e que vão às assembleias e votam pela continuidade do movimento, não são massa de manobra ou sujeitos que não pensam.
São pessoas que analisam, discutem, fazem ponderações, acreditam no que fazem, são cientistas, enfim, e que sabem que suas vidas (e de estudantes também) serão impactadas por longo período após o final da greve, com a necessária e sempre cumprida reposição de atividades acadêmicas, dentre outros aspectos.
Não concordo com aqueles e aquelas que defendem que o governo deve negociar com as pessoas em greve nas universidades e institutos federais porque elas votaram majoritariamente em Lula. Este parece-me ser um bordão, à esquerda, daquele, à direita, que diz que “quem fez o ‘L’ agora tem que aguentar”.
As pessoas que compõem o Governo Lula, a começar pelo próprio Presidente da República, deveriam negociar seriamente com as pessoas que fazem greve porque não se trata apenas de um movimento corporativo (embora também o seja). O que está em jogo, não se perca de vista, é o destino social e político dessas instituições que, em seu conjunto, são responsáveis por mais de 90% da ciência que se produz no País. Portanto, são imprescindíveis.
A greve combina luta por recomposição salarial, depois de uma década de defasagem. E luta pela recomposição do orçamento das universidades, que há 10 anos vem sendo reduzido a níveis que tem causado sérios problemas estruturais ao seu funcionamento diário. Comprometendo seriamente as atividades acadêmicas, com risco de danos irreversíveis em pesquisas.
A possibilidade de um futuro diferente, e melhor, para o Brasil está também no centro desta disputa.
A greve das pessoas que trabalham nas instituições de ensino federais é luta por direitos de quem lá trabalha e para melhorá-las. Não é luta contra Lula ou, mesmo, o seu governo. É luta a favor das universidades públicas, logo, a favor do Brasil. É nisto que acreditam as pessoas em greve, ainda que possam ser legitimamente contraditadas por outras análises de colegas do campo democrático que defendem outros pontos de vista.
Luciano Mendes de Faria Filho é pedagogo, doutor em Educação e professor titular da UFMG. Publicou, dentre outros, “Uma brasiliana para a América Hispânica – a editora Fondo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira” (Paco Editorial, 2021)
--
Leia outros artigos sobre educação e literatura na coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG
---
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida