O capitalismo financeiro neoliberal desestrutura a vida da maioria das pessoas
Chegaremos ao fim de 2024 com a extrema direita no poder nos EUA e na França? Dois dos países mais importantes do mundo, seja em termos econômicos, político-militares ou socioculturais. Duas referências da liberal democracia ocidental.
Talvez não aconteça. Talvez, na França, a aliança entre o centro e a esquerda evite, no segundo turno, uma maioria simples da extrema direita no parlamento. É provável. E talvez, nos EUA, Trump seja derrotado, ou por um novo(a) candidato(a) democrata, que substitua o claudicante Biden, ou pelo próprio Biden. Biden, ao que indica, resiste a ser substituído e não parece ter condições de derrotar o ex-presidente.
Se evitarmos essas vitórias da extrema direita, respiraremos aliviados. Terá sido por pouco. Como foi por pouco que evitamos, em 2022, que a extrema direita no Brasil não só continuasse mas aprofundasse sua destruição autoritária.
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Até quando ficaremos evitando, por pouco, o desastre iminente? Até quando lembraremos a frase de Raymond Aron - "na política, muitas vezes as opções se dão entre o preferível e o detestável"- forçados a escolher uma opção que, em si, não é boa, mas somente evita o pior, o detestável?
A resposta: enquanto perdurar o neoliberalismo, assim como a hegemonia da direita nas comunicações.
O capitalismo financeiro neoliberal desestrutura a vida da maioria das pessoas. A consequência é um sentimento crescente, difuso, de descontentamento e revolta, que, em boa medida, é capturado pela extrema direita.
Comentaristas políticos da Rede Globo estavam, na segunda-feira (1º), indignados com a decisão da Suprema Corte norte-americana, que concedeu imunidade a Trump.
Como criticou a juíza Sonia Sotomayor, da Suprema Corte, que votou contra a absurda decisão, os presidentes norte-americanos, de agora em diante, serão como reis, acima das leis. Também estavam preocupados os comentaristas globais com o crescimento do Reunião Nacional, de Marine Le Pen, na França.
Só que a maioria desses comentaristas, e especialmente, a emissora em que trabalham, apoiam o neoliberalismo econômico, causa da impopularidade de Biden, Macron e outros, impopularidade que cria um vácuo político no qual cresce principalmente o fascismo.
Por que o fascismo, e não os progressistas?
Quando Macron lançou, seguindo a cartilha neoliberal, uma reforma da previdência lesiva aos cidadãos, quem liderou a resistência foi, basicamente, a esquerda francesa, mas quem capitalizou o descontentamento popular foi a extrema direita, pois ela domina a comunicação, especialmente nas redes sociais.
Já a centro-esquerda francesa, quando esteve no poder, nos últimos tempos, contemporizou com o neoliberalismo.
Boa parte das pessoas anseia politicamente pelo novo, e a extrema direita vende-se, convincentemente, como tal. Vende-se como defensora das pessoas comuns contra os "poderosos", incluindo, nessa categoria, de forma absolutamente exagerada, os movimentos sociais, ecológicos, feministas, antirracistas etc. Ela é a "novidade", com aspas bem merecidas, que captura boa parte do descontentamento social.
E captura, claro, com o auxílio importante das redes sociais, em uma verdadeira guerra cultural, intensa, planejada, fartamente financiada, que conta com o auxílio direto ou com a condescendência das big techs que dominam o mundo digital.
Mas não haveria um público tão grande, tão disponível, tão vulnerável a isso, se não fossem os estragos que o neoliberalismo causa na vida concreta da maioria das pessoas. Estragos não só porque o neoliberalismo destrói direitos sociais e trabalhistas, mas porque, ao mesmo tempo, coloca na cabeça de muitas pessoas valores individualistas, competitivos, consumistas.
Todos têm de ser empreendedores, vencedores, em uma disputa diária contra todos os outros, num mundo de comunicação rápida, superficial, emburrecedora. Disparam, então, a ansiedade, a depressão, o abuso de drogas, a violência e outros sintomas de um mal estar generalizado.
Sentimento de descontentamento e revolta é capturado pela extrema direita
No Brasil, parcela da elite segue o mesmo paradoxo: critica a extrema direita, mas apoia o neoliberalismo que a alimenta. Em 2018, escolheram Lula como detestável, apoiando a escandalosa prisão que o tirou da eleição, e Bolsonaro como preferível - a "escolha difícil", como disse um editorial de jornal.
Diante do desastre da gestão Bolsonaro, do rechaço que sofreram dele e da recusa do governo Biden, em 2022, de chancelar eventual golpe de estado, trocaram de sinal na última eleição: Lula passou a ser preferível, para evitar o ex-capitão.
Mas seu governo segue acossado, dia e noite, pelo neoliberalismo - e também por um congresso reacionário e grosseiramente oportunista.Lula tem se manifestado, ultimamente, contra os maus humores do tal "mercado" (grupo minúsculo de rentistas que capturam, de forma patrimonialista, o orçamento público) e contra o ataque especulativo à moeda brasileira.
Temos de apoia-lo, sem abrir mão, claro, de nosso direito de crítica ao que seja necessário. Mas é crucial uma campanha pública de apoio a ele, neste caso.
As forças progressistas precisam se convencer de que não se pode contemporizar com o neoliberalismo. Se não houver alternativas a ele, a vida dos cidadãos continuará cada vez mais difícil, e, com sua hegemonia comunicacional, a extrema direita seguirá tirando proveito da insatisfação social.
Se os progressistas não superarem o neoliberalismo e se não adotarem uma postura ativa no campo da comunicação, que vá além de enxugar gelo desmentindo continuamente fake news, a extrema direita prevalecerá.
Rubens Goyatá Campante é doutor em Direito pela UFMG e pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (CERBRAS)
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Leia outros artigos de Rubens Goyatá Campante em sua coluna no Brasil de Fato MG
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Este é um artigo de opinião, a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos