A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou em 1º turno, segunda-feira (15), o projeto de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o PL 1202/19, apresentado pelo governo de Romeu Zema (Novo). O PL foi aprovado por 33 votos favoráveis e 22 contrários.
Entidades representativas do funcionalismo público denunciam que as medidas previstas no projeto retiram direitos dos servidores e desmontam os serviços públicos no estado. Trabalhadores ocuparam as galerias e dependências da ALMG pressionando parlamentares contra a aprovação.
O projeto autoriza o governo de Minas Gerais a renegociar sua dívida com o governo federal estimada em R$ 160 bilhões. Ao aderir ao regime, o estado fica obrigado a implementar uma série de medidas fiscais e estruturais, como privatizar estatais, congelar salários e submeter a administração financeira a um conselho.
A aprovação do PL vem na contramão de propostas alternativas em discussão no Congresso Nacional. No dia 9 de julho, o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD) protocolou um projeto de lei para criar o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag).
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O Progag mantém o formato atual de juros, definido pela inflação mais 4%, mas prevê mecanismos de redução do índice adicional, como a federalização de ativos para o abatimento de parte da dívida. A economista e especialista em direito tributário Eulália Alvarenga avalia que o Propag é melhor que o RRF, mas não apresenta solução a longo prazo.
Todas as emendas parlamentares apresentadas ao PL 1.202/19 foram rejeitadas. Na terça-feira (16), o projeto foi aprovado em 2º turno na Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária.
Para explicar como o RRF impacta às políticas públicas e a vida dos servidores públicos, o Brasil de Fato MG levantou oito medidas que atingem de forma direta os trabalhadores.
1. Congelamento dos salários
O Plano enviado pelo governo de Minas à ALMG prevê apenas dois reajustes de 3% nos salários dos servidores pelos próximos nove anos. A proposta rendeu uma série de críticas à gestão de Romeu Zema (Novo), que rebate afirmando que as recomposições salariais estão submetidas à “disponibilidade de recursos no caixa do Tesouro Estadual”.
Uma calculadora, desenvolvida pelo Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais (Sinfazfisco), permite que os trabalhadores descubram qual será o poder de compra de seu salário, caso o Plano de Recuperação Fiscal do governo seja implementado no estado.
De acordo com a ferramenta, para um servidor cujo valor do último contracheque foi de R$2.500,00, ao final do período de equacionamento das contas públicas, caso não aconteça nenhum reajuste, o poder de compra será de R$1307,46. Se o salário for reajustado duas vezes, o valor continua baixo, chegando a apenas R$1387.09.
Em contrapartida, Romeu Zema aprovou um reajuste em seu próprio salário de quase 300%. Até 2025, o governador passará a receber mais de R$40 mil por mês.
2. Suspensão de auxílios e direitos
Em comunicado publicado pela Secretaria de Estado da Fazenda, o governo afirma que “nenhum direito adquirido dos servidores será perdido”. Porém, críticos à proposta denunciam que, se o RRF for implementado, direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores, como férias-prêmio, quinquênios e adicional por desempenho, além das promoções e progressões de carreira, podem ser extintos.
A deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) critica a adesão do estado ao RRF e destaca que, além dos próprios servidores, toda a população mineira deve ser impactada pelas medidas propostas pelo governador.
“Quando um governo ataca servidores públicos, está atacando a população. Quem presta serviço ao povo é o servidor, quem fiscaliza para proteger o meio ambiente é o servidor, quem cuida da saúde da comunidade seja no posto de saúde ou no hospital é o servidor, quem cuida da educação das crianças e adolescentes é o servidor. Não existe serviço público sem o trabalhador”, avaliou, nas redes sociais.
3. Sem nomeações para novos cargos
Outra imposição do RRF é o impedimento de realizar a nomeação de servidores para novos cargos. O regime permite que o governo nomeie trabalhadores apenas para cargos já existentes.
4. Sem concursos públicos
Ao mesmo tempo, o Executivo mineiro também fica impedido de realizar novos concursos públicos. O plano permite apenas a realização de concursos autorizados e dos que já estão em vigor. Se a medida entrar em vigor, Minas Gerais pode viver um congelamento de novos concursos públicos até 2032.
5. Teto dos gastos estadual
Além disso, o regime também impõe a criação de um teto de gastos estadual. Segundo o governo, essa exigência “não representa corte de verbas” em áreas como saúde e educação.
Porém, em audiência pública realizada na ALMG, parlamentares destacaram que o plano apresentado pelo governo prevê limites de crescimento dos gastos com pessoal menores do que o estado tem atualmente.
No caso da segurança pública, por exemplo, o teto seria de 2,45%. Porém, os deputados afirmam que, entre 2021 e 2022, os índices reais foram de 12,5%. Para a saúde, o limite seria de 2,87%. Mas, no último ano, o valor registrado foi de 17%.
6. Entrega do patrimônio público
As principais estatais mineiras, como Cemig e Copasa, garantem à população mineira o acesso à água e energia como direitos básicos. O RRF obriga a privatização dessas empresas, o que coloca esses direitos em risco, uma vez que a responsabilidade é transferida para empresas cujo objetivo é somente o lucro.
“Nós vemos casos em que o serviço piorou muito após a privatização, como o município de Outro Preto, onde chega água com barro às torneiras das casas. A empresa privada vai levar água somente onde é rentável, mas os pequenos municípios, onde o custo é alto e não há lucro, deixarão de ser atendidos”, adverte Eduardo Pereira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua MG).
A privatização também preocupa quando se pensa na situação dos trabalhadores da empresa, que serão explorados ao máximo. A perda de direitos, da segurança e da própria vida ficam evidentes em dados sobre acidentes com terceirizados no setor elétrico: cerca de 300% maior do que com empregados próprios, de acordo com pesquisa da Fundação Coge.
7. Sem autonomia
Feita a adesão ao RRF, o estado também submeterá sua gestão financeira ao Conselho de Supervisão, composto por representantes do Ministério da Fazenda, do Tribunal de Contas da União e do Estado em recuperação fiscal.
“É um tipo de intervenção, o estado perde a autonomia, ficando submetido ao Conselho, onde seremos minoria”, explica Eulalia Alvarenga.
8. RRF fracassou em outros estados
Os Estados do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro já aderiram ao Regime de Recuperação Fiscal. E os estados “estão hoje mais endividados, com os serviços públicos precarizados e sem o patrimônio público que foi vendido”, afirma.
O primeiro estado a aderir ao RRF foi o Rio de Janeiro, em 2017. Durante a vigência do regime, a dívida do estado saltou de R$ 132 bilhões para R$ 151 bilhões, crescendo mais de 14%. Para o período de 2024 a 2026, o governo do Rio prevê um déficit de mais de R$ 18 bilhões.
Edição: Elis Almeida