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Ensinar é intervir no mundo!

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Foto: Tânia Rêgo - Agência Brasil
Avaliação dos professores é um direito e um dever, para melhoria do ensino

Por Cleiton Donizete Corrêa Tereza

Nos meses de maio e junho, a convite de integrantes das equipes gestoras das escolas públicas em que trabalhava, realizei a formação “Educação antirracista: ensinar é uma forma de intervenção no mundo”.

Agradeço às profissionais que me convidaram para desenvolver esses encontros com meus colegas de equipe, pois, entre outras considerações possíveis, constituíram alguns de meus últimos atos enquanto professor da rede pública básica. Isso porque, fui aprovado em concurso para docente do curso de Pedagogia na Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, onde iniciei minhas atividades neste mês de julho.

Posso dizer que foi uma bela oportunidade de compartilhamento de análises e sinalizações de questões elementares para o trabalho educativo, diante de sua notável função social, com base em minhas pesquisas e vivências.

Os momentos de estudo coletivo foram estruturados em três etapas: de início, leitura e comentários de um trecho do livro Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire, intitulado “Ensinar exige entender que a educação é uma forma de intervenção no mundo”, inspiração para o título dos encontros; na sequência, uma exposição dialogada, com recursos textuais, fotos e outras imagens, sobre os conceitos de raça e etnia e questões étnico-raciais no Brasil, trazendo um exemplo de educação antirracista e as discussões efervescentes na atualidade; por fim, atividade em grupos, apresentada em círculo, com análise de situações concretas e indicações de intervenções pedagógicas, isto é, no mundo, com base em princípios antirracistas.

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Após a leitura do trecho de Paulo Freire, durante as argumentações, um professor destacou, e outros concordaram, a relevância do seguinte excerto: “tão importante quanto ele, o ensino dos conteúdos, é o meu testemunho ético ao ensiná-los. É a decência com que o faço. É a preparação científica revelada sem arrogância, pelo contrário, com humildade. É o respeito jamais negado ao educando, a seu saber de ‘experiência feito’ que busco superar com ele. Tão importante quanto o ensino dos conteúdos é a minha coerência na classe. A coerência entre o que digo, o que escrevo e o que faço”.

Além disso, diversos professores, externaram inquietações, leituras, atividades realizadas e também destacaram outras passagens do texto, contribuindo para que cada momento fosse ainda mais significativo.

Na escola municipal, tive que realizar dois encontros para dialogar com as equipes do turno da manhã e da tarde. Neste último, com as profissionais que atuam no ensino fundamental I, nos alongamos tanto no debate e partilhas de experiências em sala de aula que não foi possível realizar a terceira parte, com verificação de casos e indicativos de resolução.

Contudo, deixei os materiais para que possam fazer isso em outra reunião de estudo. No encontro da escola estadual, os jovens que integram o Coletivo Negro, movimento social articulado no interior da unidade, acompanharam, e, ao final, também fizeram colocações sobre a complexidade e necessidade da luta antirracista. Foi emocionante!

Porém, mesmo diante de um momento tão rico de formação continuada remunerada, um direito dos profissionais em educação, conquistado por meio de lutas históricas, com paralisações, greves, manifestações, debates políticos e ações na Justiça, alguns colegas insistiram em suas posturas tacanhas, distraídas, indiferentes, saindo antes da hora ou querendo fazer uso de celulares e/ou computadores. Ou seja, comportamentos incoerentes em relação ao que, em geral, os próprios educadores questionam no cotidiano escolar.

É preciso dizer, sim, que existem professores que não planejam suas aulas e não sabem como conduzi-las e, também, não se esforçam para melhorá-las. Outros que faltam deliberadamente, pelos mais variados motivos.

Há casos de docentes que não avaliam os estudantes, que gritam, que ofendem, que distratam, que manifestam todo seu ódio, suas frustrações, suas angústias, seus preconceitos sobre aqueles a quem deveriam estimular, orientar, acolher, apresentar conhecimentos, indicar caminhos nesse mundo tão bonito e ao mesmo tempo hostil! Pessoas com falas mentirosas e comportamentos agressivos, exemplos de má educação. Como podem ser aceitos e remunerados como educadores?

Se consideramos errado e defendemos mecanismos de responsabilização e de punição para aqueles que, vivendo em uma sociedade estruturalmente racista, reproduzem atos racistas; para aqueles que, vivendo uma sociedade basilarmente machista, reproduzem atitudes machistas; para aqueles que, vivendo em uma sociedade explicitamente violenta, cometem ações de violência, e assim por diante; aceitaremos que educadores, que têm deveres fundamentais para o desenvolvimento de crianças e jovens, sob justificativas sistêmicas, causem prejuízos por negligência, por egoísmo, por despreparo, por desequilíbrio, por flagrante descompromisso?

De forma geral, três medidas, que precisam ser desdobradas em variadas e por vezes complexas ações, porque envolvem aspectos sociais, comportamentais, econômicos e políticos mais amplos e profundos, precisam ser consideradas, e não necessariamente nesta ordem, para que tenhamos um contexto mais favorável à dedicação propositiva:

1) melhoria dos salários dos profissionais da educação, afinal, sem ganhos dignos fica difícil atrair e manter pessoas compromissadas para labutarem nas escolas públicas;

2) melhores condições de trabalho, já que somente salário não resolve, pois os educadores precisam de ambientes seguros, organizados, bem equipados e autonomia para exercerem o trabalho docente com qualidade;

3)  avaliação permanente, porque a categoria, de forma geral, defende uma forte cultura de avaliação com alunos, por vezes pelo caráter equivocado do punitivismo, mas não é bem avaliada e costuma se opor a essa política necessária – avaliação é um direito dos estudantes e também dos professores – para que os pontos fracos sejam melhorados e os fortes potencializados, permitindo que práticas e estudos sejam revisados e aprimorados, para intervenções conscientes e justas no mundo!

Cleiton Donizete Corrêa Tereza é professor Doutor do Departamento de Educação, Informação e Comunicação (DEDIC) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP). Foi professor de História nas redes municipal de Poços de Caldas e estadual de Minas Gerais por quase duas décadas. É especialista em História Contemporânea (PUC Minas), especialista em Planejamento, Implementação e Gestão de Educação a Distância (UFF), mestre e doutor em Ciências Humanas (Diversitas-FFLCH-USP). Tem atuado em órgãos e movimentos sociais em defesa da educação pública, democrática e de qualidade.

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida