Especialistas denunciam que a ampliação do Projeto Somar, do governo de Romeu Zema (Novo), ameaça as escolas de Minas Gerais. A iniciativa, que começou a ser executada em programa-piloto dois anos atrás, consiste em “compartilhar” a gestão da educação pública com Organizações da Sociedade Civil (OSCs). Na última semana, a Secretaria de Estado de Educação (SEE-MG) publicou um edital que visa a expansão do programa para 80 escolas.
“O edital é gravíssimo, porque amplia o conceito inicial do Projeto Somar, que atingia a rede estadual, mas não o ensino médio. Agora, estamos diante de um avanço que pode levar à privatização de toda a rede estadual”, alerta a deputada estadual e presidenta da comissão de Educação da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) Beatriz Cerqueira (PT).
O projeto-piloto do programa estava em vigor em três escolas estaduais: EE Francisco Menezes Filho e EE Maria Andrade Resende, em Belo Horizonte, e EE Coronel Adelino Castelo Branco, em Sabará, município da região metropolitana.
Além do aumento da quantidade de escolas, a ampliação do programa, que antes se restringia aos anos iniciais da educação básica, prevê a expansão para o ensino médio e para a Educação de Jovens e Adultos (EJA).
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Para o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (SindUTE-MG), o projeto visa retirar do Estado a responsabilidade por garantir o acesso à educação pública e de qualidade para milhares de crianças e jovens.
Lógica de mercado privilegia o lucro, em detrimento da qualidade e da inclusão
“O Projeto Somar transfere a gestão escolar para OSCs e tira do governo a responsabilidade pelas escolas públicas. Embora afirme se tratar de um processo de gestão compartilhada, de fato, o governo entrega os recursos financeiros e toda a administração das escolas. E a implementação do processo de ensino e aprendizagem ficam sob controle dessas organizações”, explica o sindicato, em nota.
O Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais (Fepemg) também criticou a ampliação do programa que, na avaliação da entidade, ameaça a qualidade social e intensifica as desigualdades educacionais no estado.
“A lógica de mercado tende a privilegiar o lucro, em detrimento da qualidade e da inclusão. É papel do Estado assegurar educação de qualidade para todas as pessoas, sem distinção, e isso só é possível por meio de um sistema público forte e bem estruturado”, avalia o fórum.
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“O Projeto Somar é a privatização explícita de escolas públicas, uma vez que uma empresa ‘não estatal’ passou a gerir três escolas que antes elegiam sua diretoria e seus colegiados, que contavam com professores selecionados por concurso público, que atendiam a estudantes das comunidades do entorno e que tinham com essas comunidades uma relação de identidade e escuta”, complementa o Fepemg.
Impactos
Os especialistas ainda relatam que a própria execução do projeto-piloto, entre 2022 e 2024, já demonstrou uma série de fragilidades do programa. Entre elas, Beatriz Cerqueira destaca as dificuldades de fiscalização por parte do legislativo.
“Encontramos muita dificuldade para conseguir fiscalizar onde tem esse modelo de privatização. O dinheiro é público, vem de verbas para a educação pública. Além disso, as OSCs não cumprem direitos trabalhistas básicos. São muitos problemas. Já recebi denúncias inclusive de interferência no resultado final de alunos, porque as OSCs têm meta”, conta a deputada.
“Também já acompanhamos denúncias de falta de professor de apoio, problemas relacionados à assédio e muitas outras coisas. É um projeto que não deu certo em lugar nenhum. Os governos privatistas tentam impor medidas que deram errado. É a lógica de tirar do Estado a sua responsabilidade”, continua Beatriz Cerqueira.
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Um levantamento do Fepemg também demonstrou que turmas de EJA foram fechadas e houve queda de matrículas nas escolas onde foi implementado o projeto-piloto do Somar.
“A repetição dessa negação de direitos está agora anunciada, quando o governo estadual propõe aumentar para 80 o número de escolas privatizadas via esse projeto. Para os educandos da EJA das três escolas piloto, entre 339 pessoas matriculadas em 2021, apenas 58 fizeram matrícula em 2022. Dessas 339 pessoas matriculadas em 2021, apenas 13 fizeram matrículas em 2023”, explica o fórum.
Uma ação popular, uma denúncia no Tribunal de Contas e outra no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) estão em tramitação.
Na sexta-feira (2), trabalhadores da educação fizeram uma manifestação em frente à UNA Linha Verde, onde acontecia uma reunião entre diretores da escolas que podem ser incluídas no Projeto Somar e representantes da SEE.
Segundo levantamento dos manifestantes, apenas na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) serão 28 escolas impactadas:
EE Santo Antonio - Rio Acima
EE General Carneiro - Sabará
EE Maria Floripes Nascimento Alves - Sabará
EE Jose Luiz Gonzaga Ferreira - Sabará
EE Rodrigo de Castro Moreira Pena - Santa Bárbara
EE Prof. Leopoldo de Miranda- BH
EE Laudieme Vaz De Melo - BH
EE Coração Eucarístico - BH
EE Laura das Chagas Ferreira - BH
EE Pedro Aleixo - BH
EE Caminho a Luz - BH
EE Walt Disney - BH
EE Augusto de Lima - BH
EE Flavio dos Santos - BH
EE Isabel da Silva Polck - bh
EE Professor João de Arruda Pinto - Sabará
EE Presidente Dutra - BH
EE Profa. Alaíde Lisboa de Oliveira - BH
EE Abelardo Duarte Passos - Brumadinho
EE Henrique Diniz - BH
EE Deputado Ilacir Pereira Lima - BH
EE Odilon Behrens - BH
EE Paulina Aluotto Ferreira - Brumadinho
EE Paulo Neto Alkimim - Brumadinho
EE Ana de Carvalho Silveira - BH
EE José Brandão - Caeté
EE Joao Alphonsus - BH
EE Augusto de Lima - Nova Lima
O outro lado
De acordo com o governo de Minas, “melhoria na qualidade do ensino, dos indicadores educacionais e promoção de práticas pedagógicas inovadoras estão entre os benefícios do modelo de gestão compartilhada proposto pelo Estado”.
Edição: Elis Almeida