Minas Gerais

Coluna

Sobre agonias e noites vazias, de Luciano Mendes

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Reprodução - Livro Litterae Breves - Luciano Mendes
O destino dá as caras e os personagens conquistam mundo vasto

Por Vander André Araújo

Eu, que sou apenas um senhor latino-americano, nunca estudei latim, jamais passando das três páginas dos radicais naquelas poucas páginas da gramática do Cegalla, que tive que memorizar para passar em um concurso público, em uma juventude que agora parece distante.

E eis que me deparo com um livro que, além de intitulado nessa língua, começa com uma inversão do célebre aforismo de Hipócrates, o "pai da medicina", popularizado por Sêneca, já me levando a refletir sobre por que a arte há de ser breve, ou até mesmo efêmera, diante da vastidão do mundo em que vivemos, enquanto alguns de nós almejam uma vida eterna: “Ars brevis, vita longa”.

Luciano escreveu em “Agonias” versos que me proporcionaram, na continuidade do aforismo aludido, uma “experiência enganosa”: ele nos apresenta diversos personagens e seus nomes, identidades que me levaram a imaginar a menina da esquina ou o “senhor da padaria”, cada qual com sua “luta” em busca do amor, superando ou não as tristezas, as angústias decorrentes desse constante combate à morte ou o gozo dessa vida que se diz finita.

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Nesse vai e vem de pessoas, Luciano me recorda a “Quadrilha” de Drummond, pois todos aqui amam, amaram ou não. Agora as pessoas se veem no conflito de enfrentar os vazios das suas próprias existências, habituando-se à realidade comezinha, às suas próprias sentenças ditadas por archontes, ao espaço conquistado após anos tentando sobreviver neste “asteroide pequeno que todos chamam de Terra”, até mesmo porque sabe-se lá se há mesmo outra vida em outros planetas ou pós-morte e se temos mesmo a necessidade de empreender tal sacrifício para obter êxito nesse novo espaço neoliberal.

O que vemos na sequência da leitura é a solução mais simples e fabulosa num reino animal em que a galinha observa o voo das andorinhas no céu e compreende o poder das forças superiores não humanas. A epifania vem logo depois, numa cama coberta de flores das mais belas: o amor-perfeito, amarelos, azuis ou violetas, numa combinação mais que perfeita, de onde nascem as trincas — uma trindade nova de pai-mãe-filho.

O destino dá as caras e lá se vão os personagens conquistar esse mundo tão vasto e tão dentro de cada um deles que se configura em reino, aquele que se afirma estar próximo. Mas é na televisão que as pessoas tomam conhecimento do fim da guerra que acontece mais próximo deles e da sua extinção como seres humanos, mesmo daqueles que estão presos nas garras de um amor sem fim. Resta-lhes um céu, um belo horizonte que por ironia do destino a essa altura se apresentou nublado.

Para Luciano, na segunda parte do seu livro, a noite se enche de esperança e de palavras, que agora são as donas do texto, insidiosas, abundantes, capazes de congelar a dor e a tarefa do leitor é caçá-las. Os versos se enchem de desejos, de quereres, de manhãs tardias que chegam claras, plenas. A imensidão do mundo causa espanto e emudece: são muitas as possibilidades de encará-lo de peito aberto. Já o mulo, viril nos seus relacionamentos, não tem filhos. Após tantas andanças, erranças, tantas viagens inventadas, quer agora descanso, almeja ser matreiro num sítio em que ele é o dono do terreiro.

O poeta se diz usuário dos versos dos outros poetas, para deles roubar o seu amor, esse perverso desejo, essa quimera sem nome que torna a nossa vida multicor e da qual sentimos tanta falta. Descobrir quem o eu lírico é, por meio das palavras neste texto, não é tarefa fácil, tampouco o que é o seu amor, seré yo: uma pele dourada de sol que se diverte na bateia, traveste o tempo, chega na aurora, suspirando, inspirando.

Viver hoje, para o poeta, é algo muito mais perigoso do que Rosa nos alertou: “a justiça tarda, a violência grassa”, e não há nenhuma graça nisso, pois do outro lado há um despenhadeiro e só nos resta “esperançar dias mulheres”, fazer “poesia das boas”, tapando o sol com a peneira, pois assim o homem-lobo reduz a distância do outro lobo.

Dito tudo isto, falta uma palavra, aquela que parece ter ficado no meio, freada ao se aproximar do amor que nunca vem, para que ele possa compreendê-la. Ela é dor e prazer, porém, “nada é inteiro nas palavras” e resta ao poeta a solidão ou o “degredo”, ou, ainda, relembrando Drummond: “a dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo”.

Vander André Araújo é natural de Bom Despacho/MG, é advogado, filósofo e escritor, autor dos livros Roupa suja de inconfidente, Pode durar o tempo de uma música e Sobre mim uma sentença

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida