Crime organizado quer superar os poderes do Estado brasileiro
Tradição é uma palavra originada do latim: traditio, transmissão de costumes, comportamentos que passam a fazer parte da cultura. É por isso que podemos distinguir uma cultura mineira, baiana ou carioca. São resultados de traços comportamentais e costumes vindos dos tempos coloniais. Do ponto de vista social, político e econômico os colonos absorveram os costumes dos colonizadores, favorecendo a exploração da natureza e de humanos em favor dos reinóis.
Isso era bastante semelhante ao sistema feudal europeu que vigorou do século V ao XV. E caracterizou-se pela aquisição gratuita de grandes glebas de terra; exploração de mão de obra servil e grandes poderes e privilégios dos senhores proprietários.
O historiador pernambucano Evaldo Cabral de Melo, em seu livro “A Ferida do Narciso”, registra que os portugueses permitiam a corrupção e o enriquecimento ilícito, se a fortuna conseguida fosse carreada para Portugal. Recomendava, apenas que os afortunados fossem discretos e reservados. Como não havia bancos e nem “laranjas” para ocultar os tesouros, eles os enterravam sob uma árvore ou interior de paredes.
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O sociólogo e historiador Raymondo Faoro analisa com propriedade a formação do patronato brasileiro, que se forjou com a garantia do poder estatal e da classe burocrática.
No período colonial eram dadas terras aos “senhores de bem”, pelo sistema de cartas de sesmarias. No período monárquico, continuaram os privilégios com títulos nobiliárquicos, patentes militares, cargos públicos e políticos. Em 1831 foi criada a Guarda Nacional com o objetivo de defender a Constituição, mas que se transformou em instituição garantidora dos privilégios dos bens nascidos.
Coronelismo
O título de coronel era atribuído somente a grandes e poderosos fazendeiros, sendo a origem da formação do fenômeno político conhecido como coronelismo. Todo coronel contava com uma corporação de jagunços ou cangaceiros que tinha a função de praticar crimes e receber a proteção do coronel, exercendo também o papel de espionagem.
O escritor Guimarães Rosa colocou na boca do narrador Riobaldo, toda a vida desses guarda-costas que foram impedidos por seus patrões de ter vida digna e independente, para que continuassem sempre obedientes e servis. Os alemães chamam isso de gangs, que prestaram serviços aos nazistas no tempo de Hitler. Os americanos chamam esse tipo de serviçal de “gangster”; na Itália, mafiosos; e no Brasil são tratados como milicianos ou bandidos.
O cangaço nasceu no final do século XIX e início do século XX, desses grupos de homens e mulheres cansados das explorações e da submissão patronal. Eles, como Lampião no Nordeste e Antônio Dó no Norte de Minas, tinham a intenção de se tornarem grandes proprietários de terras e ricos como os coronéis.
As tradições de bandos de criminosos trouxeram do passado o sentido, os conteúdos e os objetivos, embora diferentes na forma de conduzir os crimes. Precisam de capital para aquisição de armas importadas; segurança e serviço secreto; estratégias para comercializar drogas e contrabando de mercadorias.
Os grupos organizados do Brasil cresceram e chegaram ao ponto de formar uma enorme comunidade com aspiração de superar os poderes constituídos do Estado e da nação.
Antônio de Paiva Moura é professor de História, aposentado da UEMG e UNI-BH. Mestre em História pela PUC-RS.
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Este é um artigo de opinião, a visão do autor não necessariamente representa a linha editorial do jornal.
Edição: Elis Almeida