Toda a conservação da Serra do Gandarela também corre risco
Na tarde de quarta-feira (15), o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Codema) de Rio Acima, município da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), convocou uma reunião extraordinária para debater os impactos do projeto da Mina Apolo, da empresa Vale.
A mineradora teria a oportunidade de apresentar sua proposta e esclarecer as dúvidas dos presentes. O próprio prefeito, Felipe Gonçalves (PDT), reforçou o convite para a reunião em suas redes sociais, devido a importância do tema para a cidade. Porém, de maneira extremamente desrespeitosa, a Vale não compareceu e sequer justificou sua ausência.
Descaso é recorrente
Este tipo de atitude descompromissada não é novidade, quando se trata da mineradora Vale. É dessa maneira que ela se relaciona com o poder executivo, legislativo e, principalmente, com as comunidades atingidas por seus empreendiment5os.
Não podemos nos esquecer, por exemplo, das enchentes em 2022, que assolaram Rio Acima com rejeitos de mineração, e de como a Vale desprezou os danos às famílias atingidas, negligenciando qualquer responsabilidade pela tragédia cometida.
Apesar da ausência da Vale, a reunião do Codema ocorreu com presença expressiva de diversas lideranças comunitárias, membros de movimentos populares e ambientalistas, que puderam realizar intervenções apontando os diversos impactos que a Mina Apolo pode causar na cidade.
Um dos encaminhamentos deliberados pelo conselho foi o envio de um ofício endereçado ao presidente da mineradora manifestando o descontentamento com a postura da Vale diante da população de Rio Acima.
Mega empreendimento
O Projeto Apolo prevê a instalação de estruturas em 1368 hectares, área muito maior que a região central de Belo Horizonte, por exemplo. O empreendimento é planejado para ser instalado nos municípios de Caeté e Santa Bárbara, no alto da Serra do Gandarela, na divisa com Rio Acima.
A mina contará com uma cava extensa de minério de ferro, duas pilhas de estéreis, diversos diques de sedimentos, ramal ferroviário e outras estruturas. As pilhas de estéreis terão 294 e 238 metros de altura cada uma, o equivalente a um prédio de cerca de 90 andares.
A Vale apresentou o projeto da Mina Apolo pela primeira vez em 2009, quando foi considerado como uma das maiores potenciais minas de minério de ferro do Brasil. Após 2019, com o crime que a Vale cometeu em Brumadinho, foi aprovada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a Lei “Mar de Lama Nunca Mais”, que impede a construção de novas barragens de rejeito onde há comunidades com proximidade inferior a 10 quilômetros. A Vale foi obrigada, então, por lei, a ajustar o seu projeto e, desde 2021, o denomina como Mina Apolo Novo Conceito.
Apesar do nome novo, não há novidades significativas na proposta. O projeto se mantém como um dos maiores em licenciamento no país, com projeção de produção de 14 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, por até vinte nove anos.
Impactos
Serão destruídos mais de mil hectares de Mata Atlântica, cerca de 43 cavernas serão impactadas, várias cachoeiras serão atingidas, a cava vai possuir um comprimento de mais de 6,5 km e mais de 250 metros de profundidade, secando nascentes e rebaixando o lençol freático.
A região da Serra do Gandarela, onde vai ser instalado o projeto, abriga a segunda maior área de Mata Atlântica de Minas Gerais e trata-se do único aquífero conservado no Quadrilátero Ferrífero. As águas da serra abastecem centenas de comunidades e municípios inteiros, como o caso de Rio Acima, e são fundamentais para a bacia do Rio das Velhas, responsável pelo abastecimento de cerca de 70% da RMBH.
Duas alterações no novo projeto chamam a atenção. Uma delas foi o aumento da área da cava da mina, tornando-a mais próxima do centro de Rio Acima. A outra é que, apesar da ampliação da cava e da maior proximidade com o município, a Vale retirou a cidade de Rio Acima da lista de municípios afetados pelo novo projeto, impedindo que esse se posicione no processo administrativo do licenciamento ambiental em relação ao empreendimento.
Um dos maiores impactos da mineração é a emissão de poeira de minério, que, além de causar um grande transtorno com a poluição na vida das pessoas, é extremamente prejudicial à saúde, podendo acarretar em diversas doenças, especialmente respiratórias.
Segundo os estudos da Vale, os ventos na região tendem a levar a poeira de minério, majoritariamente, para os municípios de Rio Acima e Raposos. Imagine o volume de poeira que será emitido com uma cava desse porte, com as inúmeras detonações e movimentação de maquinários pesados. Como será ter de conviver com a poluição nas casas e com o aumento de problemas de saúde na cidade?
Outra informação contida nos estudos de impacto ambiental da Vale é a de que o fluxo do tráfego de veículos em Rio Acima irá aumentar significativamente, além da movimentação de mais pessoas na cidade. O projeto prevê a contratação de 2700 trabalhadores durante a instalação da mina. A grande maioria serão pessoas vindas de fora, de outras cidades e regiões do país. É muito comum nesses projetos de mineração, em que há grande movimentação de contingente de trabalhadores, ocorrer aumento da criminalidade e da violência contra as mulheres.
Rio Acima pode ser conhecida nacionalmente como a cidade das cachoeiras, temos inclusive uma no centro da cidade! São: cachoeira da Samsa, do Índio, Pastinhos, Braúnas, Chica-Dona, Mingú, Viana e tantas outras. A instalação da Mina Apolo irá secar nascentes, rebaixar o lençol freático e contaminar os cursos d’água. É admissível a gente renunciar à abundância e qualidade de nossas águas para uma empresa retirar minérios?
O momento eleitoral nos permite debater e aprofundar sobre o projeto de cidade que queremos. A chegada da Vale com a Mina Apolo vai impor uma lógica destrutiva e irreversível para o município, podendo colocar Rio Acima como mais um território subordinado aos interesses de uma corporação, com uma economia dependente da mineração, baseada na exportação de bens primários. É fundamental sabermos quais candidatos apostam na venda da cidade para a mineração e quem são aqueles que defendem um projeto econômico duradouro, conservando nossos patrimônios com a elevação da qualidade de vida da cidade.
A Vale está empenhada em implantar a Mina Apolo, protocolou o pedido de licenciamento ambiental e pressiona o Governo de Minas Gerais para liberar a exploração mineral o quanto antes. Mas a batalha ainda está só começando e há muitas etapas para acontecer.
Cabe ao conjunto da sociedade se empenhar cada vez mais, da maneira como pode, e de forma organizada, para fazer valer o interesse da coletividade. Precisamos construir processos para fortalecer as diversas potencialidades econômicas que o território da cidade nos oferece e impedir, de uma vez por todas, esse enorme retrocesso para Rio Acima e toda a região.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos